Puxei uma manta. Cor de rosa, coral . A alegrar-me a tarde. Não alegra.
Tapei os meus arrepios. Aos meus pés, dona Pitanga. Só por acaso nesse lugar. A aproveitar a manta. O lugar dela raramente é tão rasteiro. Esse lugar está guardado para os males menores. Fantasmas. Ameaços. E ratos de sacristia. Inclui os dos dois géneros.
No lugar do coração estão bouquets de rosas que não recebi, mas semeei. Beijos por dar e sois que arrecadei. À espera de melhores dias.
No lugar da mente está um dia, quem sabe quando, cheio de brilho e paz. Confiança e verdade. Por viver. E ontens onde não me sentei.
Chove. E acinzenta-se tudo à minha volta. É o canal Q, tentando sorrisos que não dou. É o Harry Nilsson, cantando Without You com a mesma voz sofrida de há quarenta anos, que me arrancava lágrimas castigadoras e suspiros idiotas e me fazia cantar num inglês mais do que perfeito toda a letra que aprendi primorosamente só para mais sofrer e chorar. Quase desfalecer. Ao som desse choradinho feito de flechas nos corações das meninas tristemente pirosas que se punham a jeito dos estúpidos rapazes desse tempo, de todos os tempos, porque os rapazes são sempre estúpidos ( salvo seja ).
O silêncio em mim, na casa, à volta, a janela recebendo os pingos da chuva, a luz indirecta, os livros fechados, as estórias adiadas, os fins ignorados, tudo se juntou para conspirar contra o meu sossego. A favor da minha falta de paciência.
Um desafio para passear, cancelado, por um problema de saúde que se arrasta e me rouba a liberdade de ir por aí fora, uma mala por fazer e algumas contrariedades, me fazem pensar que há dias que só fora de casa se levam. Se despacham. E não se pensa mais nisso.
Desde que haja galochas, que não tenho, gabardine, que deixei esquecida numa esplanada de Paris, em Julho, chapéu de chuva, ( qual o pobre que não o leva por engano duma chapeleira, assim como quem não quer a coisa ) e disposição ( será que estou com ela? Não sei, não ) tudo está alinhado para desanuviar os pensamentos, erguer a cabeça, arrebitar o nariz, sacudir a poeira e fazer uma cruz. Que por acaso hoje até é dia de euromilhões.
Acendi a luz do candeeiro para ver melhor porque já se faz noite em mim.
Não fosse eu um espírito a quem ordenaram que fosse forte e brincaria com as fragilidades das palavras que me bailam à frente da memória e do presente e hoje seria dia, um daqueles que a gente sabe que é o dia certo, o tal, de mandar tudo para as urtigas, beber uns copos ( ai a minha colite que late que nem cão raivoso ), fumar um charro ( nunca é tarde ) ou cortar os pulsos.
Toca o telefone. Fixo. Aquele que passa mais tempo na gaveta da cómoda da entrada do que no suporte. Hoje, está com sorte, porque dona Pitanga friorenta como é, escolheu estar aos meus pés, aquecida pela maciez da manta rosa coral.
Atendo. São os tipos da NOS. Às vezes qualquer sacana desconhecido me salva os pensamentos nefastos, provocados pelas minhas alucinações e por este mundo sacana e conhecido que me põe como o tempo. Cinzento, tempestivo, feroz. Para esquecer. Ou lembrar, antes que se faça tarde.
Adio os propósitos. Que sou cão que ladra mas não morde. E vou fazer um chá. Só que a colite mo deixe beber sem sobressaltos...
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