domingo, 5 de maio de 2013

domingo...dia de Mãe


Subo as escadas. O cheiro da comida da vizinha do primeiro andar espalha-se. 
Deixa-me adivinhar o que é. Hum, o cheiro que se espalha é forte. A carne. 
A guisar ou a estufar. Ou será que é caldeirada? 
Cheira à comida da mãe. Da minha mãe. 
Decerto a vizinha aprendeu com a mãe dela. Que não é a minha.
Será que a comida de mãe é toda igual? Talvez. Dizem agora que é a comida caseira. Na moda. Eu digo que nunca sairá de moda. Sabe bem. Muito bem. A saudade. A beijos e abraços. Palavras doces e embaladas na colher da sobremesa e na limonada de limas, açúcar e gelo. E na fatia de mamão com sumo de limão. Sabe a colo...
Há um sabor, um cheiro a comida de mãe, nas minhas memórias. Será que o olfacto das minhas crias tem de memória a comida de mãe? Decerto tem. Acho, todos os filhos têm. A momentos à volta da mesa. A conversas. Palavras ditas a rir. A mimo. A crescimento. A momentos à volta do amor...
Tudo isso e contos de outros tempos, a minha mesa tem. De aldeia. E de mato também. Do tempo em que a minha rua se chamava de Saber Andar e a luz parava nas bombas da Mobil e dali não passava. E o asfalto parava com ela. A fronteira que dividia a cidade do asfalto, da cidade velha de terra batida, mulembas, eucaliptos e perigos. Homem do saco...
Há um cheiro que sobe as escadas comigo. Solta-se do meu passado. Pede que não o deixe para trás, em memória dos velhos tempos. Duma mesa farta. De afectos fartos. De domingo farto. De domingo...
E entranha-se no meu hoje solitário.
Dou à chave e entro. Olho tudo com olhos de passado. Venho de braço dado com a saudade. 
A comida de mãe nunca me abandonou. Aprendi com ela. A guisar, a estufar. Aprendi a fazer caldeirada. De cabrito. 
Aqui no presente que é passado há pouco, fiz de tudo. Aqui aprendi o que não sabia. Aqui transformei as saudades em fé e os domingos que vivi, noutros. Quase tão bons como aqueles. Quer dizer, tentei. Se o consegui?! Não sei. 
Há uma diferença grande entre os ovos estrelados em azeite pela mãe e aqueles que eu compro no supermercado e desconseguem ter o ritual da galinha a cacarejar no galinheiro ou no meio dos sacos de carvão para a venda.
Há uma grande diferença entre o cabrito que ia comprar com o pai ao mercado de S. Paulo e aquele que compro no talho do supermercado.
Há uma grande diferença entre o domingo de então, cheio de cheiros e de cores, um dicionário de palavras que dançavam nos meus ouvidos pareciam querer fazer poesia, 
pareciam brincar às rimas que o pai gostava de cantar à desgarrada nas noites de domingo. 
Há uma grande diferença entre o futuro sorrindo e prometendo e o de hoje que tem os dias subtraídos e contados.
Há uma grande diferença...
O lugar da mãe na mesa, ficou vazio. E se fosse só esse!...
O tacho grande para a caldeirada foi para o lixo. O jarro da limonada partiu.. O mamoeiro secou. 
Só as mangueiras do quintal que ao domingo espalhavam a sombra sobre o jardim das rosas do avô e sobre o tanque de peixinhos vermelhos, ainda estão lá. Que eu sei. Eu vi. 
Transportei essa visão comigo. Através dos tempos e dos lugares. Trouxe-a apertada contra o peito porque na verdade quero voltar ao domingo, dia de mãe. E de caldeirada de cabrito. E de cores e cheiros e beijos e abraços. E olhares de admiração, momentos de ternura e gratidão.
Cheirou-me a comida de mãe...e a tempo meu e dela também. Hoje...
Que se assinalem os domingos e vivam as mães...

1 comentário:

J disse...

O Maio traz destas coisas. Que fazem um sentir de verdade.
Parabéns.

AJ