segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"...ainda fazes pastéis de massa tenra? "

A gente vive o presente. Uns dias, alegremente. Outros em níveis de (sub) consciência menos leve que pesada.. Deixando-se, porém, passar por todos eles. Vendo-os alvorarem-se. Sombrearem-se. Desfilarem-se. Substituírem-se.
Já só quer ser feliz. Sem muitos floreados. Nem grandes orquestrações, bailados e sapateados. Maquilhagens. Insónias e reumáticos. 
Já só quer viver. E diz que sim. Que não faz contas com e ao que já passou. Arrecadando os dias com xis marcados. Os anos áureos. A juventude. Os filhos pequenos. 
Pais. Irmãos. O local de trabalho. Antigos colegas. Outras terras. Outras gentes à volta. Um tempo que dá tanto que pensar, que se perdeu na existência. Do abandono e desapego. Na sobrevivência. Nas portas que se bateram. Nas escolhas que se fizeram. Nas estradas percorridas. Desviadas. No olhar n' um horizonte a perder de vista. 
Que se perdeu inevitavelmente. 
E de repente,
- Sempre boa cozinheira. Ainda fazes pastéis de massa tenra? 
E a gente que até se esquece que já abriu portas vezes sem conta, estendeu passadeiras e toalhas, ligou luzes, fez festas, chamou convidados; família, ofereceu alegria, brindes, rolhas de champanhe estoirando, pastéis de massa tenra ... 
Sim, ainda faço pastéis de massa tenra. Poucos. E poucas são as vezes. Os pedidos. As vontades. Os prazeres. 
Um dos filhos já não come carne. O outro, quando os quer comer vai à Frutalmeidas da avenida de Roma, onde eu também gosto de os saborear, sem remorsos. Nem lembranças, que elas atrapalham o palato. E o momento. A preguiça. E devolvem os fantasmas. D' outras eras, outras terras. Outras guerras. 
E de repente,
- Sempre boa cozinheira. Ainda fazes pastéis de massa tenra?
Ainda. Por mim, não. Mas se alguém os quiser, fá-los-ei. Não perdi a mão. Só perdi o hábito. Como perdi os dias, as festas, pessoas, a juventude, os objectivos e as solicitações. O elogio. A garra. De ser útil. A pressa e a capacidade de me dividir em muitas. E agradar. 
Como me perdi do tempo e das pessoas. Duma vida que já não é a minha.
Mas...ainda faço pastéis de massa tenra. Estendo a massa, coloco o recheio e acredito que deliciarão, quem os comer.

m.c.s.

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