sábado, 2 de dezembro de 2017

por enquanto...


Noventa por cento dos passageiros do comboio para o Cais do Sodré estão a borrifar-se para a paisagem magnífica à beira mar que esta viagem oferece. Ou vão a dormir ou com angústias que não dominam e solidões que não ultrapassam. 
O passado que não esquecem e o futuro que desconhecem impedem-nos de usufruírem do presente, que é uma bênção do universo. Uma dádiva que deveriam abraçar com gratidão. 
O cansaço dos seus rostos, o abandono displicente dos seus corpos, esta atitude, metade indiferente, metade perdida, compreendia-a se fosse domingo. Véspera de dia de trabalho. Hoje, feriado, véspera de fim de semana, diz muito das gentes que gravitam neste espaço chamado terra, país, lugar onde se sobrevive. Diz muito das ofertas que não chegam. Dos sonhos que se desfazem. Das vidas que se castram. 

A vida não é isto. Isto é sonambulismo. Morte lenta. Desencanto. Desistência. A vida é - pegá-la pelos cornos e toureá-la com destreza e arte. Porque só há uma. E é preciso ganhar a corrida.
No dia em que fizer esta viagem de comboio à beira mar, viajando pelos meus vazios, a olhar para dentro de um nada ou de não sei quê, enterrem-me. Porque morri. 
Por enquanto, bem desperta, contemplo o mar e adivinho o seu marulhar...

m.c.s.

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