Hoje o banco falou áspero comigo. Eu não queria conversas mas ele insistiu.
- Senta-te, ordenou.
Não me dou bem com ordens que parecem reprimendas. Gosto da maciez da voz, mesmo a da consciência. Um doutor diplomado, um dia disse-me que era coisa de infância. Chorar se me ralham, falam alto ou me abrem os olhos. Mudar agora para quê? Exigia psicólogo. Há por aí uns que são família, mas esses não valem. Não me sento no sofá para aprender a secar ou reter as lágrimas. Burro velho não toma ensino.
Nem me sento no banco, não sei, não me apetece. Mas o dito está numa de mais velho e mais poderoso.
- Senta aí! Diz ele.
E eu não sentei, nem sento. Hoje não.
- Dá-me uma folga, disse entredentes, quase de mim para mim.
- Senta, que é para não te desacostumares.
- Hoje não. Não vejo o mar daqui. E estou de pé, com os pés bem assentes no chão.
- Inventa-o. Tu tens imaginação. Não te custa nada.
- É preciso que ele queira que eu o invente. Só lhe vejo a crista. Da onda.
- Se há onda, há mar. Mais crista menos crista...
- Aí é que tu te enganas, isto não é nada como a sabedoria popular a dizer que onde há fumo, há fogo. Esta onda, decerto não pertence ao meu mar.
- Como é que sabes que não é o teu mar? Mares são mares. Água salgada aos potes.
- Aí é que te enganas. Ainda não aprendeste que quando eu me sento para sonhar vejo o meu mar mal abro os olhos para o sonho. E sou informada das calemas, das marés, das ondas enrolando na areia. O meu mar sussurra-me sonhos e me oferece beijos. O meu mar não me abandona.
- Então porque não o vês, hoje?
- Porque não quero sentar e sonhar. Basta-me saber que está lá.
- Então quer dizer que me vais deixar aqui sozinho. Quero saltar da máquina para aqui e te pertencer com letras que me colocas a verde esperança.
- Podes dizer tudo o que quiseres mas hoje eu não tomo assento.
1 comentário:
Muito boa esta prosa.
Tu és realmente um prodígio, na arte das letras.
Beijinho, minha amiga
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