Ontem fui cantar os parabéns à Esmeralda. Fez 72 anos, mas não estava feliz.
Não me lembro de ver alguém tão infeliz no seu dia de aniversário, como ela, ou melhor, tão conformada com a p... da vida.
E isso entristeceu-me.
A vida dela tem sido uma luta. Sempre contra e nunca a favor. Dando tiros nos pés.
Agora, alguém lhe criou condições para respirar, sorrir, acabar os dias numa doce tranquilidade.
Mas a Esmeralda tem muitos fantasmas e amargura-se. E mal vive.
Incomoda-me que pessoas válidas, ainda rijas, com a mente sã, não se incomodem. E encolham os ombros às surpresas boas que a vida, pela mão de gente de bem, lhes proporcionam. E acho que foi isso a que assisti ontem.
Mas se assim é, ela não tem culpa. Há culpados, vários...
Incomoda-me que as pessoas a quem se dedicou nunca se tivessem incomodado com ela.
Há incómodos que são obrigatórios. A vida da Esmeralda foi acomodada e hoje tem dificuldade em reagir, mesmo ao que a vida lhe dá de bom.
Levei-lhe uma planta. Para se alegrar e enfeitar a sua casa, que partilha com outra pessoa que também incomoda a minha condição de cidadã cristã. As duas são ajudadas por alguém, ou um conjunto de alguéns, que conhece bem os deveres de um cidadão nobre e pôe na prática o que tem no coração. O sentimento da compaixão.
Ontem à noite fui convidada a fazer uma surpresa à Esmeralda. Uma festinha, um jantar de aniversário. E aceitei. E aparecemos seis pessoas de rompante à sua porta. E ficamos. E cantamos os parabéns e tiraram-se fotografias e fizeram-se planos, para outras vezes.
Saí de lá sem perceber se gostou, ou se não queria sair do casulo em que um pouco acomodadamente se meteu.
E isto perturbou-me muito.
Acabei, com as pessoas de bem a que me referi, sentada no banco de jardim do Jardim das Rosas, junto ao rio, refrescando-me do calor intenso que abrandou na noite, enquanto um pequenito brincava nos baloiços, falando sobre a vida que por vezes é tão madrasta, as madrastas que me perdoem, mas a minha noite não melhorou.
Depois, já à porta da minha casa estive com uma amiga noite fora, conversa fora, até que cansadas nos despedimos. As vizinhas, que também já o foram da Esmeralda, gostam de espreitar os carros que param. E gostam de me tomar conta da vida.
Não me conformo com a tacanhez, mas até dou um desconto.
Não dou desconto, isso não, a quem prejudica a vida de outro ser como fizeram com a Esmeralda.
Esta Esmeralda teve sorte porque está perto de gente de bem que a ampara e protege, mas quantas Esmeraldas da vida se tornam indigentes porque a família não cumpre as obrigações?!...
Não me conformo. Ontem acabei a falar em voluntariado em Angola.
Cresce em mim esse desejo que sei que inevitavelmente cumprirei, só para não ver mais esmeraldas serem tratadas como couves, que se atiram aos porcos.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
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