quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As esmeraldas da vida

Ontem fui cantar os parabéns à Esmeralda. Fez 72 anos, mas não estava feliz.
Não me lembro de ver alguém tão infeliz no seu dia de aniversário, como ela, ou melhor, tão conformada com a p... da vida.
E isso entristeceu-me.
A vida dela tem sido uma luta. Sempre contra e nunca a favor. Dando tiros nos pés.
Agora, alguém lhe criou condições para respirar, sorrir, acabar os dias numa doce tranquilidade.
Mas a Esmeralda tem muitos fantasmas e amargura-se. E mal vive.
Incomoda-me que pessoas válidas, ainda rijas, com a mente sã, não se incomodem. E encolham os ombros às surpresas boas que a vida, pela mão de gente de bem, lhes proporcionam. E acho que foi isso a que assisti ontem.
Mas se assim é, ela não tem culpa. Há culpados, vários...
Incomoda-me que as pessoas a quem se dedicou nunca se tivessem incomodado com ela.
Há incómodos que são obrigatórios. A vida da Esmeralda foi acomodada e hoje tem dificuldade em reagir, mesmo ao que a vida lhe dá de bom.
Levei-lhe uma planta. Para se alegrar e enfeitar a sua casa, que partilha com outra pessoa que também incomoda a minha condição de cidadã cristã. As duas são ajudadas por alguém, ou um conjunto de alguéns, que conhece bem os deveres de um cidadão nobre e pôe na prática o que tem no coração. O sentimento da compaixão.
Ontem à noite fui convidada a fazer uma surpresa à Esmeralda. Uma festinha, um jantar de aniversário. E aceitei. E aparecemos seis pessoas de rompante à sua porta. E ficamos. E cantamos os parabéns e tiraram-se fotografias e fizeram-se planos, para outras vezes.
Saí de lá sem perceber se gostou, ou se não queria sair do casulo em que um pouco acomodadamente se meteu.
E isto perturbou-me muito.
Acabei, com as pessoas de bem a que me referi, sentada no banco de jardim do Jardim das Rosas, junto ao rio, refrescando-me do calor intenso que abrandou na noite, enquanto um pequenito brincava nos baloiços, falando sobre a vida que por vezes é tão madrasta, as madrastas que me perdoem, mas a minha noite não melhorou.
Depois, já à porta da minha casa estive com uma amiga noite fora, conversa fora, até que cansadas nos despedimos. As vizinhas, que também já o foram da Esmeralda, gostam de espreitar os carros que param. E gostam de me tomar conta da vida.
Não me conformo com a tacanhez, mas até dou um desconto.
Não dou desconto, isso não, a quem prejudica a vida de outro ser como fizeram com a Esmeralda.
Esta Esmeralda teve sorte porque está perto de gente de bem que a ampara e protege, mas quantas Esmeraldas da vida se tornam indigentes porque a família não cumpre as obrigações?!...
Não me conformo. Ontem acabei a falar em voluntariado em Angola.
Cresce em mim esse desejo que sei que inevitavelmente cumprirei, só para não ver mais esmeraldas serem tratadas como couves, que se atiram aos porcos.

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