Subi o Parque Eduardo VII. A noite não tardava, estava ali. Uma ou outra pessoa nos bancos do jardim, junto da calçada. Acabara de saber notícias da minha amiga, que já se encontra em Lisboa, chegada de Marrocos, num hospital. Notícias animadoras.
Olhei à volta e pensei na solidão do parque ao anoitecer. Na minha solidão. Não doeu. Era mais o estado de estar fisicamente sozinha. Os pensamentos eram mais que muitos a povoarem-me a mente.
Durante a tarde falara com um amigo. Dissera-me que não via a luz ao fundo do túnel. Não queria sermões. Só queria falar. Dizer do seu estado. Num dó d'alma. Passei-me. E disse-lhe: " Então só te resta dares um tiro nos cornos ", respondeu-me: " Não tenho pistola ". Ninguém aqui estava a brincar.
Ficou furioso comigo porque insistia no sermão. Como se a vida às escuras existisse apenas para ele. Chamei-o à terra. " Queres dizer-me a mim como é que é a puta da vida? ". Pediu-me desculpas. Relevei. Não pode ter cabeça para grandes reflecções. Tem a vida muito embulhada.
Fui fazer o passeio a que me propûs, de cerca de duas horas por Lisboa fora, num autocarro turístico, e disso falarei quando calhar. O facto é que achei-o desinteressante mas a minha falta de ânimo também se devia à conversa perturbadora que tivera antes com esse amigo.
Subia o parque Eduardo VII e pensava numa hipótese para este meu amigo. Nas minhas mãos não está a solução, penso eu. Porém, de repente tive uma idéia. Animei-me. Cheguei ao cimo do Parque. Junto ao monumento ao 25 de Abril, obra polémica de João Cutileiro, estava um homem sentado num banco, de costas para mim, munido de uma máquina profissional. Eu parei ali, contemplando a cidade. Dali até ao castelo à esquerda ao fundo e ao Tejo e outra margem do rio. Tirei a máquina da carteira e fiz uma fotografia. As cores do céu transformavam-se com a tarde a despedir-se e a noite a querer ocupar-lhe o lugar. Fiquei um pouco mais a saborear este encontro da natureza. E a beleza da cidade que pouco tempo antes desdenhara de enfado, quando me passeava pelas suas ruas e estradas, monumentos e decadêncais. Trânsito e pessoas.
Ouvi claramente ouvindo, chamarem por mim: Claaaara. O som vinha de trá. Virei-me. Um homem, este homem da fotografia, virava-se também, para mim, sorridente.
Aproximou-se com um sorriso de gente boa. Perguntou-me: Fala português? Sim, respondi surpresa. Ia jurar que me tinha chamado pelo nome. Eu tinha ouvido.
" Sabe o que é aquilo ali" ? Apontando o céu que estava nas minhas costas, sentido contrário ao da baixa e do rio." Não ". Voltei a responder. Como se o conhecesse. Naturalmente.
" Venha cá que eu vou mostrar-lhe uma coisa." Fui com ele dois, três metros . Parou e disse: Está a ver ali no céu ( apontando ) aquelas manchas laranjas, quase simétricas? - Que parecem asas de borboleta? perguntei. " Isso." Disse. "São dois dragões. A olharem para baixo. Para a terra." Sorri para ele e devo ter feito uma careta qualquer porque perguntou: " Não acredita? "
Sim, disse. Acreditava sim naquele rosto iluminado, naquela certeza de ser, naqueles olhos vivos e inteligentes e naquela voz de gente boa. Como que um anjo no meu caminho, por momentos.
" São dragões chineses. E hoje o céu está cheio deles. Olhe. Hoje vêem-se muitos dragões. O céu está maravilhoso. " E apontava o céu e todas as manchas laranjas, nuvens desenhando figuras, como que em direcção à terra. A nós. " Hoje é um dia excepcional. ". Arrepiei-me. O homem dos olhos bondosos continuou: É para lhe dizer que não aprendeu tudo. Disse-lhe " Não tenho essa pretensão ". " Eu sei, mas fica a saber que a vida nem sempre é opaca. Por vezes é transparente. Como que vista através de um cristal, de um vidro. Espelho. Como se fosse de Luz." Virou-se naturalmente e continuou a fotografar. Fui andando a caminho da passadeira. Ainda olhei para trás. Ele lá continuava extasiado com os seus dragões. Parei junto ao jardim da esplanada Linha D'Água, onde queria ir lanchar. E não resisti aos dragões. E fotografei-os. Para ter a certeza de que existem e estavam no céu neste fim de tarde. Tirei o caderno que anda sempre comigo no saco e para que não me esquecesse passei para o papel o que acabara de acontecer.
Sei há muito tempo, que nada acontece por acaso.
Não sei quem era o homem que me saiu ao caminho. Ainda agora jurava que me chamara pelo nome. E deixou-me com uma pergunta para a qual não tenho resposta: Por alma de quem? Sim.
Por Alma de quem? Porque o que aconteceu ali não foi normal, apesar de ter sido natural e real.
Parecia coisa do Além. Neste dia excepcional para os dragões chineses e também para mim. Neste dia 10 de Setembro de 2010.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
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3 comentários:
Seria um portista a picar os miolos de uma benfiquista?
Seria?????
Os portistas são tão arrogantes que não se dariam a esse trabalho.E depois tenho uma certa desconfiança de que o Universo sabe que eu sou mística e o Porto não tem nada de místico. Não nos juntaria com toda a certeza.
" Picar os miolos " é uma expressão que eu uso com frequência, que herdei de uma amiga.
Não és essa amiga pois não?
A minha amiga tam nome e usa-o sempre. A menos que não consiga.
Porquê Anónimo?
Anónimo e anónimo são duas pessoas que sei sempre quem são quando aqui vêm. Os outros, podem ser qualquer um e confesso que não tenho muito humor para rostos escondidos. Ok?
Há aqui uma função que nos faz filtrar os comentários.
Sou de paz e amor, florzinhas no cabelo e poemas. Sonhos em bancos de pedra e outras " pirosices (?)" mas um dia destes passo-me dos carretos com os fantasmas que povoam o blog na sombra.
Sei que não é educado nem elegante este meu comentário, mas eu sou mesmo assim e na minha casa tenho alguns privilégios. Pelo menos obrigação e direito de lhes conhecer os cantos.
Um bom domingo a todos os anónimos mas por favor dêem a cara, porque até podem ser bonitos e assim desse jeito ninguém vos aprecia a beleza.
Têm um nome muito feio?
Quem sabe eu gosto? Até porque ninguém tem culpa de carregar o nome que os paizinhos lhe pôs.Prometo que não gozo...
maria clara
Acordaste com os pés de fora.
Ou desconfias de algum engraçadinho que anda por aí a querer picar-te os miolos?
Mais isso não é?
Já te conheço. Não ligues ou filtra os comentários se podes fazê-lo. Este não tem mal nenhum. O único mal é não ter nome e isso é um pouco cobarde. Sobretudo se não dá uma dica para que TU percebas quem é. Pode ser qualquer pessoa.
E olha, vai por mim, foi homem que escreveu isto. É mesmo discurso de macho.
Procura no baú dos fantasmas, há-de lá estar alguém que te queira picar e não te resiste.
Bjs amiga. Um bom domingo.
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