Eu tenho uma mãe negra.
A minha mãe de África. Arminda.
Não avisei. Ela sabia que eu viria em Dezembro. Fui ao Cruzeiro. O sr. Tiago, motorista cá de casa lembrava-se da rua. Rua de Moçambique. Costas com costas da escola 8. O ano passado, tirei várias fotografias à escola. Para uma pessoa que eu estimava muito. Porque tinha estudado ali. E vivido no Cruzeiro. Depois, em casa da D. Arminda percebi que era mesmo costas com costas, a sua casa e a escola. Desta vez não tirei fotografias à escola.
Entrei pelo quintal. Abri o portão e perguntei: Posso?
Estavam duas mulheres sentadas no terraço. Nas cadeiras de " espera condição ". Uma negra e outra branca. A negra olhou-me e disse com voz doce: Faça o favor.
Aproximei-me e sorri-lhe. Deu um salto da cadeira e parecia ter visto o santo da sua devoção. E demos um abraço de um tamanho sem tamanho. Depois ainda agarrada a mim, perguntou-me apontando para a outra senhora: Sabe quem é?
E eu não sou burra. E a minha lógica não é a da batata. Mas bate certo. Tenho um dedo que advinha sempre e desta vez também. A outra olhava para mim com estranheza. Eu disparei estridentemente: A D. Rosa.
Esta levantou-se para me cumprimentar, mal seria, que não o fizesse, mas sem me reconhecer. Em pé, fez-se luz. E abraçou-me muito. Dei-lhe os parabéns e ela chorou. Tu lembrastre dos meus anos?- Todos os anos, dia 26 a seguir ao Natal, então não havia de lembrar?
A D. Arminda e a D. Rosa foram minhas vizinhas na avenida brasil. Cinco anos. Eu no meio e elas cada uma do seu lado. D. Arminda na direita e d. Rosa na esquerda.
O ano passado estive com a d. arminda. E no ano anterior também. Com a d. Rosa, não. Há 36 anos que não a via. E não me conformava com isso. Este ano nos meus anos a d.arminda telefonou-me e pôs a d. Rosa a falar comigo.
Passei a tarde de ontem, 27, com elas. Lanchei lá. A minha querida Arminda tinha bolo de ananás e de chocolate também. E perguntou-me: Quer uma coca-cola? Eu sei que gosta...
Não há nada que eu quisesse mais do que estar ali. Na casa do Cruzeiro, que os padrinhos, portugueses lhe deixaram e onde esta mulher fantástica toma conta de vinte e tal crianças com uma alegria sem fim e sempre de sorriso nos lábios e determinação no olhar.
O Mário, meu amigo e filho da querida Minda chegou. O Mário chama-me miúda. Assim pessoalmente ou ao telefone. E de vez em quando sai um " filha " e eu gosto. A mulher do Mário chegou também. Como o mundo é uma ervilha, conhece a minha amiga Susete. E ficamos a conversar bastante tempo.
Estava sentada numa cadeira de espera condição e a pensar que parecia estar no tempo da maria cachucha, na avenida brasil, quando passava horas na varanda da d. arminda, a conversar.
Ao fim de 36 anos é possível voltar atrás sem sair do presente e ser tudo como dantes.
Há pessoas que nos fazem felizes. E estas é uma delas. E ainda me dá o prazer de rever a minha vizinha Rosa.
Vou voltar. Mais vezes. Até porque me prometeu fazer uns pastéis de farinha de milho que na época eram de comer e chorar por mais. E lembrava-se que eu gostava.
2 comentários:
Como é belo tudo isto. É esta mesmo a vivência de Angola. É assim mesmo. Chinelo no pé e amor no coração. Nada mais era preciso para além dum banco onde nos sentássemos a conversar. No jardim da casa, num terraço, até à porta da casa. Importava era conversar. Havia tempo, o clima bom de morrer, as necessidades não tinham o tamanho destas daqui e tudo corria bem. Tudo tinha mais sabor, fosse qual fosse a idade que se tivesse.Beijinho, à D.Arminda e a todos os que te são queridos. Ah! um afago doce à Clarinha, pequenina. Maria luanda.
Simples não é querida amiga?!
É isto que me faz falta em Portugal.
É isto que eu venho buscar a Luanda.
Esta mulher de olhar doce e de 74 anos que me acolhe como se fosse filha dela, é um exemplo de que Luanda não morreu. Os afectos estão cá e é sentada ao seu lado na varanda de casa sentindo o vento de fim de tarde, comendo uma fatia de bolo que não posso negar apesar das calorias que eu penso: EU QUERO ACABAR NESTA TERRA.
Eu sei que tu me entendes na perfeição. Beijinhos grandes.
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