foto tukayana.blogspot Seis da manhã. Amanheço com o vento a bater na persiana. A Pitanga agitada, corre do quarto para o corredor, do corredor para o quarto como se fugisse de inimigos. Orelhas espetadas, pêlo eriçado. Abro os olhos a certificar-me do local onde estou. Levei a noite a sonhar que viajava por essa Angola fora. De Luanda para a Namíbia. 2000 quilómetros ou mais. Durante a noite. E que vira nascer o sol para lá do morro. E fazia vento. E chovia torrencialmente. E o jipe sem capota. E eu com frio...
Levanto-me. Vou à sala. Fecho a porta rapidamente para que a Pitanga não entre. Ela sobe para a janela e ainda que digam que os gatos têm sete vidas, p'ra mim são tangas e o seguro morreu de velho. Abro a janela e respiro o ar fresco do dia que há-de chegar na madrugada. O vento sopra forte. As árvores na rua agitam-se e dois cães brincam junto à ribanceira, que vai dar ao vale do alvorão, indiferentes ao tempo. O céu está escuro e carregado. Começa a chover.
Duma janela do prédio em frente, surge uma mulher que não conheço. É intrigante. Vivo aqui há mais de 23 anos e não conheço os vizinhos. Não evito pensar nos vizinhos lá da minha rua. Na minha querida Arminda, na D. Rosa, Necas, Mário, Bety, Júlio, Xico, professora Dina, no povo todo do Largo onde eu cresci, lá da Vila Alice e até na Teresa Mulombosa, a única criatura a quem dei uma bofetão. Que me consolou. Também, quem lhe mandou chamar-me maximbombo do miungo? O quê??? Maximbombo ainda vá que não vá, eu era mesmo grandona, mas do miungo??? Me ensinaram que era palavrão feio, de gente grande que fazia coisas feias ...e eu era mesmo uma miúda entrada na adolescência, a olhar na sombra, mas a fazer vestidos de bonecas com a minha vizinha Fatinha...
Maximbombo...do miungo?! Levou mesmo, mulombosa duma figa.
Não sei se porque estou de férias, se porque sonhei que deslizava pelas picadas do chão barrento e imbondeiros e mulembas seculares nas suas bermas, dou comigo a pensar, a respirar, a sentir e a " ver " o meu kimbo. A culpa foi de um amigo que comigo falou, ontem à noite. E me convidou para ir à Namíbia de carro. Ainda não é para já. Aproveitar e passear pelo Namibe e Lubango, também. Deitei-me a pensar nisso. A pensar no que me disse quando lhe falei das minhas férias. - Vem p'ra cá. Vai ver os vôos. Há preços bons, agora, nos aviões novos ". Sorri divertida. Como se fosse assim num estalar de dedos. Não. Não agora. Ainda não tenho passaporte. Mas perante a hipótese de alguém me dizer - vem p'ra cá - e eu de repente, ir, como já fazem de lá para cá, aos fins de semana, alguns que eu conheço bem, Luanda ficou tão perto, tão perto, tão intimamente colada a mim, num me possuir com avassaladora e dorida paixão, que na madrugada, já lhe respiro, lhe sinto o perfume no cacimbo da manhã, lhe toco com o olhar, lhe falo sotacado, os galos já cantam, e quando amanhecer vai chegar a mim o pregão da quitandeira, a gargalhada do zungueiro, a buzina do candongueiro...
A nguimbi respirando na minha pele escura e seca deste verão chalado...
Bate-me uma saudade tão grande como aquele abraço do tamanho do mundo que eu sempre dou, quando dou.
A Pitanga espreita pelos quadradinhos de vidro transparente da porta da sala. Arranha a porta e mia num choradinho calculista mas convincente, para que a deixe entrar.
O dia amanhece. No monte a nascente, o sol avermelhando o céu negro, surge lindo, puro. Único.
Aqui deste lado, afinal, também nasce o dia. E eu quero vivê-lo. É sábado, estou de férias e amanheci sorrindo, no sonho e no que me é dado ter.
Então, faço umas imagens de luz, ao momento...
Levanto-me. Vou à sala. Fecho a porta rapidamente para que a Pitanga não entre. Ela sobe para a janela e ainda que digam que os gatos têm sete vidas, p'ra mim são tangas e o seguro morreu de velho. Abro a janela e respiro o ar fresco do dia que há-de chegar na madrugada. O vento sopra forte. As árvores na rua agitam-se e dois cães brincam junto à ribanceira, que vai dar ao vale do alvorão, indiferentes ao tempo. O céu está escuro e carregado. Começa a chover.
Duma janela do prédio em frente, surge uma mulher que não conheço. É intrigante. Vivo aqui há mais de 23 anos e não conheço os vizinhos. Não evito pensar nos vizinhos lá da minha rua. Na minha querida Arminda, na D. Rosa, Necas, Mário, Bety, Júlio, Xico, professora Dina, no povo todo do Largo onde eu cresci, lá da Vila Alice e até na Teresa Mulombosa, a única criatura a quem dei uma bofetão. Que me consolou. Também, quem lhe mandou chamar-me maximbombo do miungo? O quê??? Maximbombo ainda vá que não vá, eu era mesmo grandona, mas do miungo??? Me ensinaram que era palavrão feio, de gente grande que fazia coisas feias ...e eu era mesmo uma miúda entrada na adolescência, a olhar na sombra, mas a fazer vestidos de bonecas com a minha vizinha Fatinha...
Maximbombo...do miungo?! Levou mesmo, mulombosa duma figa.
Não sei se porque estou de férias, se porque sonhei que deslizava pelas picadas do chão barrento e imbondeiros e mulembas seculares nas suas bermas, dou comigo a pensar, a respirar, a sentir e a " ver " o meu kimbo. A culpa foi de um amigo que comigo falou, ontem à noite. E me convidou para ir à Namíbia de carro. Ainda não é para já. Aproveitar e passear pelo Namibe e Lubango, também. Deitei-me a pensar nisso. A pensar no que me disse quando lhe falei das minhas férias. - Vem p'ra cá. Vai ver os vôos. Há preços bons, agora, nos aviões novos ". Sorri divertida. Como se fosse assim num estalar de dedos. Não. Não agora. Ainda não tenho passaporte. Mas perante a hipótese de alguém me dizer - vem p'ra cá - e eu de repente, ir, como já fazem de lá para cá, aos fins de semana, alguns que eu conheço bem, Luanda ficou tão perto, tão perto, tão intimamente colada a mim, num me possuir com avassaladora e dorida paixão, que na madrugada, já lhe respiro, lhe sinto o perfume no cacimbo da manhã, lhe toco com o olhar, lhe falo sotacado, os galos já cantam, e quando amanhecer vai chegar a mim o pregão da quitandeira, a gargalhada do zungueiro, a buzina do candongueiro...
A nguimbi respirando na minha pele escura e seca deste verão chalado...
Bate-me uma saudade tão grande como aquele abraço do tamanho do mundo que eu sempre dou, quando dou.
A Pitanga espreita pelos quadradinhos de vidro transparente da porta da sala. Arranha a porta e mia num choradinho calculista mas convincente, para que a deixe entrar.
O dia amanhece. No monte a nascente, o sol avermelhando o céu negro, surge lindo, puro. Único.
Aqui deste lado, afinal, também nasce o dia. E eu quero vivê-lo. É sábado, estou de férias e amanheci sorrindo, no sonho e no que me é dado ter.
Então, faço umas imagens de luz, ao momento...
2 comentários:
Que beleza de texto!
Viajei contigo no sonho, nessa Angola que me faz tanta falta.
Grata, amiga.bjs
Belíssimo post Maria Clara.
Parabéns.bj
A.L.
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