Começa a semana. Começa Agosto.
Não é simpático, o oitavo mês do calendário. Nunca me perdi na procura de explicações. Não gosto do nome, e não é por rimar com desgosto. É que nem sendo o mês das férias me anima a boa-vontade.
Na cidade o dia amanheceu frio, cinzento e chuvoso. A cidade anda à procura de si e não se encontra. Partiu em busca de dias mais felizes. A crise não a impediu de bater com a porta e viajar para a beira-mar, para o aeroporto, ou para a serra.
São horas de bater com a minha porta também. Esqueci-me do relógio, presente do F....., que me deixou feliz e surpreendida. Não pelo presente, porque o F....., dá-me sempre presentes de aniversário que gosto muito, não é por aí. Há uns relógios que têm duas braceletes, uma com o relógio propriamente dito e a outra, com a função apenas de enfeitar o pulso. E o meu é desses. Mas esqueci-me dele e já bati com a porta. E são 8,03 horas. Apresso-me. Desço a rua e o rapaz que espera a carrinha do CRIT, não está. É uma das várias bússulas até chegar ao meu destino. Quando estou pertíssimo da E.P.P, passa o TUT. No caminho encontro o ex vizinho que agitado me cumprimenta em tom ameaçador - Olá vizinha, tá boa? e eu francamente apresso-me a responder-lhe não vá ele estar descompensado e atravessar a rua para me espetar algum sopapo. Às vezes o tom demasiado zangado, o ar demasiado agressivo faz-me imaginar um cenário de forte agressividade. Porém, dizem que é pacífico e eu afinal nem tenho razão de queixa. Conheço-o há muitos anos e assisti à sua degradação. Mas sempre foi correcto comigo.
Até chegar à garagem ainda me cruzo com mais quatro pessoas. Todos homens. A cidade hoje é mais masculina que sempre. O meu sapateiro, homem com ar rude, baixinho, e dentro de um fato de macaco azul, com o avental sujo de cola e graxa, levanta a mão, acenando-me. Bom dia senhora. E faz-me uma vénia tal que quase se some na sua pequenez. Junto à marisqueira está um anão que é já costume andar por ali. Ri-se e eu faço de conta que não percebo. Fico desconfortável no meu metro e setenta e três. Por muito que tente não ser preconceituosa...não sei lidar com anões. Deus que me perdoe e guarde, mas para quê mentir? Não sei o tamanho das suas almas e penso sempre que hão-de ser pessoas em permanente conflito interior. E gente assim é imprevisível. E eu vou na minha vidinha para o meu trabalhinho, a lutar com o tempo o que já me dá dor de cabeça que chega...
Evito voltar a ver as horas no telemóvel porque é uma perda de tempo, porque me julgo atrasada. Quando estou a chegar, vejo virem na minha direcção os dois sub-chefes da EPP. E percebo que afinal estou dentro da hora. Só quando assim é, me cruzo com eles, acabadinhos de sair do autocarro. Assim que entrei na garagem vi a trupe do costume à espera, mais alguns que de mochila se preparavam para rumar até à Nazaré. Hoje não é o melhor dia para irem a banhos de mar e sol. Mas que tenho eu a ver com isso?
Aproximo-me e cumprimento-os. A Rosa e o Júlio regressaram de férias. Este conta que no sábado foi à prova da ementa para o casamento da filha. Sete pratos. Quatro de carne e três de peixe. Que brutidade, apeteceu-me comentar, mas não. Tudo o que possam ouvir-me passará a ser contra mim e eu já tenho tanta gente desertinha ...tanta, tanta, não. Mas alguns que conto pelos dedos. O Júlio tem uma filha casadoira. Ainda há quem tenha filhas casadoiras, de papel passado, casa comprada, mobílias, enxoval, cerimónia religiosa, flor de laranjeira e grinalda, grande festa com muitos convidados e sete pratos. Quatro de carne e três de peixe.
Finalmente, o autocarro chega. O motorista já aprendeu que vou para alcanena e que preciso assinar o bilhete. Empresta-me a caneta. O meu lugar junto à porta está ocupado por dois veraneantes da Nazaré, que depositaram a geleira térmica no lugar das malas e se apressaram a entrar no autocarro para a escolha do lugar. Está certo. Eu faria o mesmo. É duro viajar num autocarro do século passado, por mais de uma hora, curvas e curvas e aldeias e mais aldeias e paragens e travagens e cheiros e música de rádios locais berrando aos nervos e resistência de cada um.
Agarro no caderno, procuro a caneta no fundo do saco novo que a Paula me ofereceu, encontro-a e começo a escrever este texto. À minha volta pode trovejar, chover a potes que depois de ter os fones, fico no meu mundo. Até chegar ao destino.
Não é simpático, o oitavo mês do calendário. Nunca me perdi na procura de explicações. Não gosto do nome, e não é por rimar com desgosto. É que nem sendo o mês das férias me anima a boa-vontade.
Na cidade o dia amanheceu frio, cinzento e chuvoso. A cidade anda à procura de si e não se encontra. Partiu em busca de dias mais felizes. A crise não a impediu de bater com a porta e viajar para a beira-mar, para o aeroporto, ou para a serra.
São horas de bater com a minha porta também. Esqueci-me do relógio, presente do F....., que me deixou feliz e surpreendida. Não pelo presente, porque o F....., dá-me sempre presentes de aniversário que gosto muito, não é por aí. Há uns relógios que têm duas braceletes, uma com o relógio propriamente dito e a outra, com a função apenas de enfeitar o pulso. E o meu é desses. Mas esqueci-me dele e já bati com a porta. E são 8,03 horas. Apresso-me. Desço a rua e o rapaz que espera a carrinha do CRIT, não está. É uma das várias bússulas até chegar ao meu destino. Quando estou pertíssimo da E.P.P, passa o TUT. No caminho encontro o ex vizinho que agitado me cumprimenta em tom ameaçador - Olá vizinha, tá boa? e eu francamente apresso-me a responder-lhe não vá ele estar descompensado e atravessar a rua para me espetar algum sopapo. Às vezes o tom demasiado zangado, o ar demasiado agressivo faz-me imaginar um cenário de forte agressividade. Porém, dizem que é pacífico e eu afinal nem tenho razão de queixa. Conheço-o há muitos anos e assisti à sua degradação. Mas sempre foi correcto comigo.
Até chegar à garagem ainda me cruzo com mais quatro pessoas. Todos homens. A cidade hoje é mais masculina que sempre. O meu sapateiro, homem com ar rude, baixinho, e dentro de um fato de macaco azul, com o avental sujo de cola e graxa, levanta a mão, acenando-me. Bom dia senhora. E faz-me uma vénia tal que quase se some na sua pequenez. Junto à marisqueira está um anão que é já costume andar por ali. Ri-se e eu faço de conta que não percebo. Fico desconfortável no meu metro e setenta e três. Por muito que tente não ser preconceituosa...não sei lidar com anões. Deus que me perdoe e guarde, mas para quê mentir? Não sei o tamanho das suas almas e penso sempre que hão-de ser pessoas em permanente conflito interior. E gente assim é imprevisível. E eu vou na minha vidinha para o meu trabalhinho, a lutar com o tempo o que já me dá dor de cabeça que chega...
Evito voltar a ver as horas no telemóvel porque é uma perda de tempo, porque me julgo atrasada. Quando estou a chegar, vejo virem na minha direcção os dois sub-chefes da EPP. E percebo que afinal estou dentro da hora. Só quando assim é, me cruzo com eles, acabadinhos de sair do autocarro. Assim que entrei na garagem vi a trupe do costume à espera, mais alguns que de mochila se preparavam para rumar até à Nazaré. Hoje não é o melhor dia para irem a banhos de mar e sol. Mas que tenho eu a ver com isso?
Aproximo-me e cumprimento-os. A Rosa e o Júlio regressaram de férias. Este conta que no sábado foi à prova da ementa para o casamento da filha. Sete pratos. Quatro de carne e três de peixe. Que brutidade, apeteceu-me comentar, mas não. Tudo o que possam ouvir-me passará a ser contra mim e eu já tenho tanta gente desertinha ...tanta, tanta, não. Mas alguns que conto pelos dedos. O Júlio tem uma filha casadoira. Ainda há quem tenha filhas casadoiras, de papel passado, casa comprada, mobílias, enxoval, cerimónia religiosa, flor de laranjeira e grinalda, grande festa com muitos convidados e sete pratos. Quatro de carne e três de peixe.
Finalmente, o autocarro chega. O motorista já aprendeu que vou para alcanena e que preciso assinar o bilhete. Empresta-me a caneta. O meu lugar junto à porta está ocupado por dois veraneantes da Nazaré, que depositaram a geleira térmica no lugar das malas e se apressaram a entrar no autocarro para a escolha do lugar. Está certo. Eu faria o mesmo. É duro viajar num autocarro do século passado, por mais de uma hora, curvas e curvas e aldeias e mais aldeias e paragens e travagens e cheiros e música de rádios locais berrando aos nervos e resistência de cada um.
Agarro no caderno, procuro a caneta no fundo do saco novo que a Paula me ofereceu, encontro-a e começo a escrever este texto. À minha volta pode trovejar, chover a potes que depois de ter os fones, fico no meu mundo. Até chegar ao destino.
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