Gostava que chegasse o dia 1 de Julho. Era o primeiro dia do meu mês. Era o teu dia. É o teu dia.
Era dia grande, todos os anos. Gostavas como eu, como bons caranguejos, de uma boa festa. De reunires as tuas pessoas e conviveres com elas. E cantavas fados. E contavas histórias da tua terra longe, que eu até já a conhecia de cor e salteado e até já gostava dela.
A mesa sempre farta, a comida confeccionada por ti. Os caranguejos que ias apanhar aos sábados à noite para a Samba ou Morro dos Veados. A lagosta que preparavas tipo manjar de deuses. O cabrito, o churrasco. O uisque, com soda, que eu já gostava mas com seven-up ou coca-cola.
O sr. Camarinha que chegava com a sua guitarra para te acompanhar nas cantorias. E as cartas.
Não havia festa que não terminasse numa mesa de quatro, apostando a rodadas de cerveja, numa sueca inteligente e cheia de sinais e de truques.
Um ano, faz hoje muitos, tantos que já nem sei contá-los, teria eu uns 10 anos, ofereceste o jantar à família e amigos. Um deles, o Valdemar Rocha, comia na nossa casa, tipo hóspede, e dormia num quarto que alugara no Marçal. Na noite deste dia e depois de nos deixar, regressou a casa e encontrou nadas. Tinham-lhe assaltado o quarto e roubado tudo.
Nos anos seguintes, neste 1 de Julho, em nossa casa, à mesa, lembrava-se a desgraça do Valdemar Rocha naquela noite. Tão lembrado foi o episódio, que eu nunca mais esqueci, como nâo esqueci que este homem, para teu escândalo, já com quarenta e tal anos não sabia para que serviam os supositórios, e um dia doente, mostrou-tos, receitados pelo doutor e estava preparado para engolir um daqueles canhangulos. Não fosses tu e o homem tinha experimentado um supositório pela goela abaixo. O que tu te riste...é que o Rocha maneta, porque lhe faltavam dedos numa mão, e tu à socapa era assim que o tratavas, pois, o Rocha maneta tinha a mania que era um intelectual. Comprava o Província de Angola diariamente, ouvia todas as notícias e ousava discordar de ti àcerca da actualidade, do alto dos seus óculos de astes de osso, pretas.
O mais longe que chegou foi a guarda noturno. E a duras penas, pois gostava de andar de costa direita.
Mais um ano. Eles correm velozes. Seriam 85, os que hoje completarias. E cantariam as nossas almas e dar-te-iamos salvas de palmas...e presentes. E beijos e abraços.
E tu comovido, aposto que chorarias. Nunca tiveste vergonha das lágrimas. Nem de mostrares o quanto nos amavas. O quanto me amavas.
Tenho saudades de ti. Tenho saudades de pai. Tenho saudades de ser filha.
Tenho saudades dos dias 1 de Julho de outrora.
Hoje quero dar-te um abraço que não caiba em todas as eternidades que possam existir, porque hoje é o teu dia, para sempre.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
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6 comentários:
Amiga que bem me lembro dos aniversários do teu pai, dos fados cantados por ele, acompanhado à guitarra pelo sr. Camarinha pela noite dentro, do Rocha, (foi ele que nos ensinou a contar pelos dedos una, duna tina, samarra, badana.....). As caras destas pessoas estão vivas na minha memória, recordo-me quando espetei o braço no abridor de barris de vinho quem me levou ao hospital foi o sr. Camarinha.
Recordo com saudade quando vos fui visitar, levaste-me ao restaurante para o ver, e vi sim lágrimas no sô Santos.
Fatynha
São as memórias que todos temos e tu, eu sei que também, estas doces memórias que me sustentam e fazem acreditar que não somos números. E o sô santos tinha uma alma grande.
Fizeste-me chorar, querida. Senti-me menos só nesta recordação de dias felizes da nossa infância tão gozada, tão alegre e feliz.Onde o meu querido pai era a figura paternalista para todos nós. Não só para mim que era sua filha mas para vocês também.
Como nós éramos, Fatinha! As rainhas do pedaço, numa avenida brasil que dominávamos quase desde que começàmos a andar.Conheciamos cada pedra, cada esquina, cada cor, cada casa e cada árvore. Cada pessoa...Zé Maria, Vitinho, Pedro, Armando, Lelo, D.Zita, D. Dina, D. Hermínia, " Mulombosa ",Piedade, Teresa Brito, Bina, Quina, sr. Brito, D.Leonor, sr. Alfeu, Edgar, Mário, Caty...os Bastos e tantos outros. E os que nos visitavam e que já não viviam na avenida e os que iam apanhar o 16 para a Terra Nova, caso do Manecas - " Chóróna, já quer námórár? " o tio Augusto cantando Fica comigo esta noite e não te arrependerás - ou a d.celeste gritando num domingo à noite enquanto preparava o jantar: Os bifes maria clara, os bifes...e estes na boca do cão e a Joaquina morfando ao lado co cão e aqui a otária a dar bifes a uns e outros.
E sim, o sr.Rocha com una, duna,tina, catrina, samarra, badana, tintim, catrapim, aqui já não me lembro, conta bem que são dez...
Pois é amiga. Tivemos uma infância e uma adolescência perfeitas.Que recordamos sempre que estamos juntas, o que é tão gratificante e faz tão bem!
Obrigada por vires aqui escrever. Raramente o fazes embora eu saiba que estás aí desse lado.Teres escrito hoje foi um presente tão grande, amiga...
Um abraço de Luz, fica bem e tudo de bom.
Comoveste-me. Comoveram-me as duas.
Que bonito é perceber que existem pessoas capazes de manter laços toda a vida sem serem laços de sangue ou de papéis passados.
Parabéns por isso.
esses são os laços k NUNCA SE DESFAZEM, NEM COM O TEMPO......para mim tesouro mais precioso, k nunca nos fazem sentir sós no mundo...
Há uns anos dizia eu k me sentia muito rica porque tinha tantos AMIGOS k sabia k ia ser dificil o trajecto do meu caixão até à a sepultura, teria k ser em marcha lenta para k todos pudessem segurar numa alça.....tétrico não????
Hoje do alto dos meus 55 aninhos, sinto-me abençoada pelo número de AMIGAS k fazem parte da minha história.....e o melhor k já fazem parte da história de vida da minha filha, que ela tem orgulho disso e preza essas relações e respeita-as como MÃES também......
AMIGA, a nossas histórias não vão terminar quando partirmos, os nossos filhos perpetua-las-ão, porque SÃO TODOS NOSSOS FILHOS
SOMOS RICAS SIM....prezamos, conservamos valores k nos dignificam como seres humanos
AMIGO É TODO AKELE K FICA QUANDO TODOS OS OUTROS SE AFASTAM......
Obrigada querida. Agora fizeste-me chorar...mas não faz mal. Pode ser masoquismo, mas faz-me tão bem chorar. Hoje como deves calcular não estou no meu melhor. Longe, muito longe de estar normal que seja. Partiu uma amiga. Que me recebia na sua família como uma mãe. A mãe da Manuela e eu estou tristíssima.E esperam-me muitas horas tristes, daquelas que nunca mais passam neste mundo a correr desenfreadamente.
Abraço.
chorar a partida da mãe duma amiga do peito é reviver e chorar as lembranças da partida da nossa própria mãe.....infelizmente daki pra frente vai ser assim amiga, pela lei natural da vida mais vezes havemos de chorar a partida de outras mães k nos acolheram como filhas...o importante é o carinho k lhes dispensamos enquanto cá estão, depois é a saudade e boas recordações...
FORÇA E CORAGEM
beijos a MANUELA
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