domingo, 5 de junho de 2011

quem espera muito aprende quando não desespera

foto tukayana.blogspotMorrer na praia é pior que bater na avó. Foi o que me aconteceu ontem ao fim da tarde. Não sei se sabem que a estação de Cais do Sodré é estação terminal de comboios da linha de Cascais. E que tem ali mesmo ao atravessar da rua, paragens ( terminais também ), de autocarros. Local agradável, com o jardim em frente e o rio a seguir. Mas, um lugar de espera. Por isso, de impaciência. Andar de autocarro ao fim de semana, é mais agradável do que de metro. Ser toupeira tem os seus aliciantes mas também inconvenientes, como, não olhar a cidade. A sua azáfama, o seu nervoso miudinho, a sua alegria de fim de tarde de sábado, as suas gentes. Por isso gosto de andar no 36. E porque fiz algumas compras no Pingo Doce, uma estupidez, tendo o dito mesmo ao pé da minha casa, mas por vezes foge-me o raciocínio lógico, pelas compras que sempre pesam, entendi por bem usar o autocarro que fica bem mais perto de casa, do que o metro. Valia mais ter partido uma perna. Salvo seja. Um tropeção já chegava, que me fizesse ver a asneira. Às vezes é preciso esbarrarmos para depois se fazer luz. É que estive duas horas à espera do 36, com cerca de 20 pessoas que esperavam também. Uma prova de atletismo, de coxos, só pode, parou o trânsito. Ainda se fossem umas estampas, dava para irmos descansando as vistas, mas as estampas já lá iam quando dei por esta prova. Não é que a baixa de Lisboa parou por causa de meia dúzia a multiplicar por mais que muitos que quiseram sair para as ruas fechadas ao trânsito num abuso que não consigo perceber muito bem. E então os mais velhos que eu? Um casal de 80 e tal anos que aproveitaram para contarem a vidinha e ainda lhes sobrou tempo, a ele para me dar 46 anos ( que delícia ) e a ela para me olhar atravessada ( que amor ) porque conversava com o seu marido, mais do que os outros. Quer dizer, ele comigo. Percebi-a muito bem e gostei dos seu jeitinho de me olhar um pouco atravessada. Cinquenta e oito anos de casamento, é muito tempo, muito conhecimento de si e do outro. Mas o que eu gostei mais nela, foi de dizer que ele ao começar o telejornal, da noite, adormece no sofá mas ela, não, não, que quer ver o quem quer ser milionário. Que gosta do Malato, mas quem inventa as perguntas é que é. Há-de ser muito culto e inteligente. Canário!!!!!!! Velhinha ciumenta da minha alma! Até lhe dava um beijo na boca se não me linchassem logo ali, por ser contra-natura ( disseram eles no decorrer da conversa, sim que duas horas deu para que descarregassem todos os ódios de estimação ). Cria da minha alma que danças, mas também encantas no caladinho de uma das tuas ocupações. E eu sorri num desbocado sorriso, gesto, careta e disse: Um deles é meu filho. Os meus parabéns minha senhora, disse ele, que eu acho que ela um pouco mouca nem percebeu o que eu dissera num orgulho daqueles de dizer. Ahn? Ahn? Toma, embrulha e vai buscar. Sentado, estava um homem com muito bom ar, que já no autocarro me disse ter 76 anos e que os médicos lhe provocaram a maior desgraça da sua vida. Destruíram-lhe a visão. Com o devido desconto, tudo ouvi pois que embora se mantivesse discreto enquanto esperámos, na verdade dentro do 36, sentado que foi à minha frente, falou pelos cotovelos da sua vida. Dos filhos e da sua terra, entre a Régua e Lamego. Falou tanto e tanto disse que deixou passar a paragem do Saldanha e quando lhe perguntei onde queria sair e mo disse, já estávamos em frente à Praça de Touros de Campo Pequeno. Antes de sair disse-me que aproveitava e ia fazer uma visita ao filho, proprietário de um restaurante, um daqueles que tem esplanada para a rua, da dita praça de touros. No Saldanha ia encontrar-se com amigas, tinha muitas, para dançarem, como sempre fazem, aos sábado, enquanto a sua mulher dava aulas num conceituado colégio da nossa praça. Ficou-me algo que me disse, que me fez sorrir de prazer de ouvir: Já vivi muito. Deus foi sempre generoso comigo, mais 5, 10 anos e posso partir. Olhe, assisti ao fim da 2ª guerra mundial, vi o homem ir à lua, vi a queda do Muro de Berlim, nascer a democracia em Portugal, os países colonizados tomarem conta do seu destino, conheci a minha mulher, vi os meus filhos nascerem e depois os 4 netos, e tantas outras coisas, minha filha, fui um abençoado. Duas horas de espera na paragem do 36 tornaram o meu fim de tarde diferente. E afinal, apesar de ter ali o metro à mão de semear, a escolha foi a que tinha de ser feita. Nada acontece por acaso.

4 comentários:

constancia disse...

Concordo, nada acontece por acaso.
Admiro a forma como transformas uma seca, num texto bem divertido, aproveitando bem essas histórias de vida.
Resto de bom domingo para ti amiga.
Bjs.

nuno medon disse...

olá! estava a ler este lindo texto e digo, que devia ter ido para Jornalista. Mesmo na rua, ouve as pessoas, gosta de ouvir novas histórias e isso é bom. um abraço . beijos

Maria Clara disse...

Olá
Não fui mas queria ter ido.
Havia duas profissões que me fascinavam...escolhi a terceira.

Maria Clara disse...

Olá Amiga
Obrigada pela visita.
Uma boa semana para ti pois o domingo já era e a madruagda de segunda está aí.
Beijos