Toda a noite ouvi grilos. E outros bichos. Moro quase no campo. E o calor chama a bicharada a verdadeiros concertos. Acordei com a Pitanga miando para a janela da sala, onde, no parapeito chilreava um pássaro, muito do folgado, mal sabendo que o perigo espreitava através de uns olhos azuis celestes duma gata atrevida e folgadíssima, que espevitava os bigodes numa antevisão de pitéu que nunca eu permitiria. Como sempre, tomo o pequeno almoço de um gole, numa pressa de falta de tempo, diária. Tenho inveja das pessoas que se sentam para a primeira refeição. Se o faço, quando faço, é só ao sábado. E é para a desbunda. Mas sábado é dia único...Olho as horas. 8 e 5. Nos pés, sandálias rasas. Nada de frescuras que me impedem de correr e ainda me atrapalham com tralhos desnecessários. Vejo o TUT passar veloz, ao meu lado. Dou como perdido o meu autocarro. Passam um a seguir ao outro. Mas enganei-me. Quando me faltam uns 20 metros para a paragem, ei-lo que chega, pára e espera por mim. É um querido este sr. margarido. Apesar de parecer cacimbo em manhã de Julho lá na outra banda, está abafado. Sento-me. E descanso. Sim. Dou-me conta que estou a descansar. Como quando a gente se magoa num dedo, ainda que o mindinho e nos faz uma falta dos diabos. Ligo o MP4. O som que sai me agrada demais. É a voz de Paulo Flores cantando Caboledo. Penso na tristeza que deve ter de ter visto o pai partir para sempre há uma semana. Oiço a letra e sorrio até à alma que ninguém lhe vê. E ela gosta. Contemplo o campo. As terras cheias de verde e flores silvestres. A serra de Aire está bonita. Imponente, mais que sempre. Ou é dos meus olhos. Uma cegonha voa até à chaminé da fábrica de curtumes onde tem ninho antigo. Sorrio de novo. Ainda sinto o aroma das flores de tília que invadiram a cidade num perfume adocicado e um pouco exagerado. E o lilaz das flores dos jacarandás. Nunca tinha percebido da quantidade de tílias ou tileiras, não sei bem qual está certo, e também dos jacarandás que existem neste burgo. Penitencio-me. Onde é que tenho andado? Por que afectos e saudades me tenho perdido que deitei este kimbo à indiferença? Se tivesse nascido aqui, hoje, gostaria da minha cidade. Eu gosto. Mas...Tem sempre um mas qualquer. Como quando estamos num sítio mas sabemos que não pertencemos ali. Como uma ponte, que faz a passagem. De onde vim, para onde vou. A travessia pode ser demorada mas torna-se um lugar incerto, inseguro e desenraizado. Torres Novas é mais ou menos isto. Deixo de pensar nisso. Esta é uma maka minha, antiga. Tem 36 anos e não há resposta matemática. Nem solução. Olho para dentro de mim. E falo com Deus. A sério. Falo, calada. Sem gestos espalhafatosos. Se sou maluca?! Não sei e se sou, nem me interessa. Gosto de falar com Ele nas minhas viagens de silêncios profundos. Pergunto-lhe porque não me dá uma coisa boa para a viver, hoje. Uma notícia fixe, já era fixe. Assim, qualquer coisa que me deixe de sorriso de orelha a orelha e me faça sentir em transe, tipo pateta, mas feliz. Pateta alegre, a bem dizer. Não Lhe oiço a voz, me respondendo, mas acende uma luzinha. Ingrata! Ainda a semana que passou tiveste uma notícia de trús. Que te deixou nas nuvens de alegria, com a alma iluminada, como se a coisa boa fosse para ti, era também para ti...Ingrata! É verdade. Tive mesmo. Me envergonhei. Vou-me queixar de quê? Páro de pensar. Olho a vila a que chego. Onde fico o dia todo. Parece manhã de praia amanhecida encoberta. Daquelas, depois de um escaldão que até Lhe agradecemos. Dia de passear à beira mar chapinhando na água salgada que vem beijar-nos os pés. Dia de comer bola de berlim. Ler finalmente aquele livro que envelheceu de tanta viagem que viajou sem se estrear nos nosso olhos. Dia de sentar na esplanada, recebendo o chuvisco cuioso que só ele...A minha viagem diária está chegando ao fim. Perdi-me entre perfumes de flor de tília e lilazes de jacarandás, silêncios de sono que ainda não acordou, acordes musicais, daqueles, vôos de cegonhas ribatejanas, e puxões de orelhas dentro de mim e da minha ingratidão de querer sempre mais e nunca estar contente com o que me é dado. Hoje despertei deste jeito. Ficou uma pergunta a dançar no espírito inquieto e observador. Será que estou a envelhecer? Não quero. Esta aparente insatisfação se mistura com a conformação de apreciar dias nascendo bonitos e me fazendo bem. Não quero resignação. Não gosto de encolher os ombros. No entanto, a resposta se é que a tenho não me perturba muito. Se estou a envelhecer, é bom este estado de alma com que a manhã me brindou. À tarde, logo se vê.
quinta-feira, 26 de maio de 2011
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1 comentário:
Gostei desse acordar com sentimento.
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