domingo, 8 de agosto de 2010

no café da manhã


" Nunca comi coisa tão boa ", diz um puto de 10 anos, talvez. A mãe, olha-me em pânico. Eu sei como essas coisas são. Sorri-lhe como que a dizer-lhe - relaxe, eu sei o que os putos são capazes de dizer, só porque lhes apetece -
Tive algumas destas enquanto as crias cresciam. Acho que toda a vida vamos levando com umas e outras e calejamos.
A mesa desta família estava repleta, em abono da verdade. Como se fosse dia de celebração ( só se for para eles ) ahn??? O que é que eu quero dizer com isto??? Calma, que lá chegarão. Até porque não quero equívocos e estas interrogações dizem-me respeito e como eu sou uma desbocada e não aguento um segredo, vou pôr-vos ao corrente não tarda muito. Ah, e hoje,que eu sei, há muita gente festejando feliz o desfecho de um percurso académico e eu faço parte desse grupo que me congratulo com o final feliz, mas o meu desabafo lá em cima, é coisa minha, que nada tem a ver com estas pessoas, evidentemente.
Deixei de observar a família feliz, ali junto de mim e o que dava tanto prazer ao puto ( sumo de laranja, ovos com bacon e salsichas, muitos folhados, fiambre, queijo, doces, fruta, iogurtes, leite com chocolate, folhados de maçã e gila, enfim, compreendo o puto, como o compreendo!... )
Portei-me benzinho. Um prato de fruta fresca e um sumo de laranja. Depois...bem, depois, olhem, seja o que Deus quiser. E Ele deve querer-me um bisonte,uma lontra ou uma baleia, só pode, que me dá um prazer imenso na comida. Dizem que o stress abre o apetite. Eu cá, só o perdi quando perdi 23 quilos e estive " morta ", ups! Ainda não...quero falar-vos primeiro da sala do matabicho, perdão, do " piqueno almoço ".
Sou cusca. Lamento, se desiludi. Sou mesmo. Tenho uma atenuante. É que não uso da cusquice para meu proveito ou para denegrir imagens. Sou-o só porque gosto de observar a vida à minha volta. Os comportamentos. Até porque acho que já sabem que gosto muito de pessoas e não sou daquelas que diz que quanto mais conheço os homens mais gosto dos animais. Tretas...as pessoas são tão interessantes e únicas!
Então vá! Enquanto comia, fui passando revista ao que me rodeava, até porque estava sozinha. Não. Não foi por acaso. Não ficou ninguém no quarto. Estava mesmo sozinha.
Quando era novita e via uma mulher assim como eu, sozinha, comendo, fumando, bebendo café, numa mesa de café, de restaurante, numa esplanada, ai como eu ficava invejosa. Pensava que um dia gostava de ser assim e fazer as mesmas coisas. Como eu admirava as mulheres independentes e enxutas, que não precisavam de ninguém. O queeeeeeeeeeê? Independentes? Enxutas? E o telemóvel? E o computador? E a mente? E as lágrimas? E os medos? Afinal, não era senão uma criança! Não era uma visionária, não, era uma lírica, isso sim.
Bem, mas continuando no périplo pela sala da minha refeição e da dos outros, a mesma estava cheia que nem um ovo e as pessoas, " muito educadas (?) " pediam desculpa se se tocavam junto dos ovos mexidos, das torradas e sobretudo em frente aos pratos dos folhados ( bruxa! ), como se não houvesse amanhã, porque nem há empregados a verificarem as travessas vazias... a mania dos seres com umbigos gigantescos.
É giro ouvir as conversas dos pares que mal se conhecem e já dormem juntos, que tiram uns dias para se (des)conhecerem melhor, longe do cotidiano, dos pares cansados e desgastados que falam linguagens gestuais e acomodadas, ou desconversam sorrindo enfadados mal o dia começa, de pais e filhos, de namorados à séria, apaixonados ( que dá inveja e saudade ) ou de presumíveis amantes, transbordando cio incontrolável e inesgotável.
Mas é mais giro ainda quando estamos a observar e de repente, mesmo à nossa frente, a 4 ou 5 metros, alguém observa a nossa cusquice.
Já quase não coro. De vez em quando lá calha porque parece que não, não é?!!! mas eu sou tímida. Há pouco tempo alguém me dizia como que dando-me um toque, eu senti-o assim ( Hello, Acorda ) que a escrita torna as pessoas mais interessantes aos olhos de quem lê, a realidade é que por vezes quem escreve é mesmo muito desinteressante na sua vidinha mediocre. E lembrando isto, é que eu não quero que tenham ilusões a meu respeito. Eu tenho uma vidinha e sou mesmo tímida.
Quando bati com os olhos no observador devo ter feito alguma expressão. Porque sou tímida mas não sou cínica e lê-se o que sinto, facilmente.
Não me ocorre que haja mais gente sozinha. Tenho um umbigo elástico e bipolar. Ora é um pontinho perdido numa barriga enorme, ou é um mundo sem limite, que absorve não a barriga, mas um todo em que me encontro. No intervalo, disto, é um umbigo perfeito, muito bem cuidado pela parteira Apolónia, da Vila Alice, a mulher que fez um aborto na sua clínica caseira e esteve presa algum tempo, numa época em que nem se faziam abortos assim, nem mulheres iam presas.
Mas voltando ao observador, escapara-se-me à observação. Homem maduro ( mais de 50 )sozinho ( sabe-se lá porque razão ) sorvendo uma chávena de um qualquer líquido e comendo pão. E olhando para mim, despudoradamente. O que me deixou intrigada. Já não estou habituada. Aliás, houve um tempo que mexia com as minhas vísceras. Disse, vísceras. E sentia um vómito. Depois, aos poucos foi atenuando. Quando dei por isso, tinha passado à indiferença. Mesmo perante chamadas de atenção, porque ah e coiso e tal...a minha resposta era nãnãnã. Como não sou cega, graças a Deus, os meus olhos vêm tudo e hoje é normal.
Este observador conseguiu uma coisa. Lembrar-me que há gente como eu, que come sozinha e observa. Só por isso, achei simpático observar-me. E encarei-o de frente como que dizendo que, provavelmente, porque estamos sozinhos, somos cuscos, mas essa atitude comum, cabe numa sala de refeições onde ninguém se conhece nem vai conhecer.

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