sexta-feira, 18 de junho de 2010

Partiu o Escritor


Ontem, antes de sair de casa, para gozar quatro dias sem nada fazer nem atrapalhar quem faz, olhei os livros que tenho e ainda não li.
O primeiro do monte era de José Saramago. Juro que foi verdade.
Pensei, que, portanto, em três dias, ia dar para ler um pouco, à beira da piscina, na areia da praia, numa esplanada. Porém esse livro que me foi oferecido no Natal de 2008 e ainda não lhe peguei, não foi o escolhido.
Confesso que ao me negar a trazê-lo fiquei com remorsos, pelo escritor e por quem mo ofereceu.
Sei que depressa justifiquei a minha conduta, com um: para ler José Saramago tenho de estar com as cinco oitavas no lugar e na praia não estou propriamente para me tornar letrada, por isso, a escolha recaiu num dos muitos livros sobre as vivências de gente que partiu de Angola em 1975, que estão muito na moda e eu sei porquê. É que finalmente a memória deita para trás das costas as mágoas e quer recordar e perdoar e não há como um livro de memórias dos outros para nos fazer recordar, perdoando. Comigo isso não acontece, porque não há nada a perdoar, eu é que tive de me perdoar por ter abandonado a minha terra, mas pronto, vim para férias com outro livro que não o de José Saramgo. Trouxe " A Balada do Ultramar " de Manuel Acácio.Não sou pessoa de dizer que nunca me arrependo das coisas que faço. Que é isso? Se há coisa que não sou é dona da verdade e do que é certo e como a verdade absoluta para mim não é matemática e o correcto também não, arrependi-me sim de muitas coisas que fiz e muito mais de outras que quis fazer e não fiz.
Por isso, estou arrependida de não ter trazido comigo o livro deste escritor que agora nos deixou.
Partiu o escritor. Simultaneamente, o homem. José Saramago morreu hoje em Lanzarote. Aos 87 anos. O homem da Azinhaga. Ribatejo. O homem que me fez sempre lembrar um imbondeiro.
Nunca nutri grande simpatia pelo homem. Achava-o pouco humilde. Seco e rude. Mas inteligente e íntegro. E muito corajoso. Uma virtude que admiro muito. Este olhar nos olhos do outro sem medos ou comprometimentos.
Quando o livro Caim, cai nas bancas e estoira a polémica, os simples mortais como eu, exaltaram-se, julgaram e cruxificaram-no. A frase: o homem passou-se, foi o que mais ouvi .Confesso que ainda que fosse verdade, isso, divertiu-me.
E passei a admirá-lo. Perceber almas é algo que gosto muito. Descobrir as respostas.
Quando o vi pela última vez sendo entrevistado, estava muito fragilizado fisicamente e muito mais humanizado, porém sempre muito firme nas convicções e nos propósitos. O tom de voz muito mais macio fez-me pensar que podia estar perto do fim.
Não me enganei, por uma acaso apenas. Por tudo o que José Saramago, ao longo dos tempos provocou em mim, pelo que me fez questionar, pela obra que deixa, sinto a sua perda com tristeza. Portugal e o Ribatejo, perderam um grande escritor, o prémio nobel da literatura 1998. Um homem polémico e singular.
Eu, assim que chegar a casa vou lê-lo, desta vez com outro olhar...

2 comentários:

Anónimo disse...

Admiro nas pessoas a convicção nas suas "verdades", as opiniões sinceras. Nem sempre estarei de acordo, à luz de um olhar mais criterioso, cuidado, do meu ponto de vista, dirão. Certo.
Saramago, nas entrevistas / debates no seguimento dos polémicos livros "Caim" e/ou "O Evangelho, segundo Jesus Cristo", pareceu-me insuficientemente informado. Tivesse melhor conhecimento bíblico, os oponentes teriam sido demolidos.
Em poucas palavras, Saramago, escritor desassombrado.
Bom fim-de-semana.
Zezé

david disse...

"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" é excelente. Melhor que o Caim, na minha opinião. Muitos beijos!