
Hoje são 29.
29 de Junho de 2010.
Se vos disser que neste dia, em 1975 era domingo. Acreditam?
E a mãe Eduarda fazia anos. E eu fui a sua casa. De manhã.
E o pânico estava instalado ali naquela casa da Vila Alice. A Mimi queimara o rosto. Pestanas, sobrancelhas...enfim, um acidente doméstico. A Mimi é irmã da Milú e do Zezé. E são uma família que mora no meu coração desde menina.
E fui ali naquele dia para dar os parabéns à matriarca.
E era domingo! E pela sala dentro de repente entrou um amigo da família e também e só, o homem com quem eu sonhara casar. E o meu coração fez taquicardia, só de o ver...
E se vos disser que passei o resto do domingo na casa de praia das minhas amigas de infância, ali, na Corimba? A família Garnacho Rocha. Onde eu e a minha gente acampáramos desde que no início de Junho nos tomaram de assalto a nossa casa, pilhando e destruindo tudo o que tinhamos que nem a roupa sobrou para contar como foi.
O almoço desse domingo, dia 29 de Junho de 1975, o último ano que vivi em Angola, foi de festa. Comida angolana, feita em tachos enormes porque éramos muitos. Recordo-me do meu prato cheio de feijão de óleo de palma, com farinha de muceque, banana e peixe galo grelhado...
Não fomos apanhar sol, nem esperar a digestão fazer porque em Junho ninguém toma banho de mar. Mas fomos para Luanda a caminho da matiné, ao Miramar. Ver " o Relojoeiro ". Eu, as manas Rochas; Tense, Ana, que também fazia anos nesse dia e Fatinha. E o tal namorado com que eu sonhara casar ali na igreja da Nazaré, quem sabe num vestido longo, vermelho...
Eram sonhos a mais...nesse cacimbo frio e sofrido de 75.
Recordo o que vestira. Calças de bombazine fininha pata de elefante e camisola de veludo vermelha. Trés chique que eu estava, com roupa oferecida pelas minhas amigas Nela e Milú, porque ficara com a roupa que tinha no corpo, a 4 de Junho. As calças, dera-mas a Nela, do Augustos, ali na Pereira Forjaz. E a camisola, a Milú, da boutique da Mutamba, no prédio da pastelaria Presidente onde se comiam os S. Marcos melhores do mundo e arredores , boutique essa, pertença da mulher do Zé Praça.
Do filme, nicles. Eu que como já perceberam, como boa carangueja, tenho memória de elefante e conto tudo, nos pormenores mais enfadonhos, não me lembro de uma única cena do filme. É que eu estava tão apaixonda que estava no céu, ali numa cadeira do cinema Miramar, de mão dada com o príncipe ( julgava eu ) podendo ver as luzinhas da Ilha e dos barcos do porto de Luanda.
Estava pobre. Não tinha nada. Quase nada...Nem sequer as minhas inúmeras fotografias. Os ouros de bebé e de criança e adolescente, as pulseirinhas, os brinquinhos...nem as minhas roupas, nem as minhas coisas, nada. Tinha 19 anos, quase 20, apenas. Família e amigos, muitos. Mas vivera este domingo como se tivesse tudo. O dia 29 de Junho de 1975.
Ainda houve tempo para darmos a voltinha dos tristes, à Ilha, até ao farol, e voltar à avenida Brasil. Eu não sabia, mas só 18 anos depois voltaria a ter na frente esse grande e ex amor. Deste lado de cá. Em Portugal.
Hoje faz 35 anos que este dia foi vivido assim por mim.
Um mês depois, precisamente a 29, parti para Portugal.
Hoje a mãe Eduarda já não completa anos. Vive na Eternidade.
A Mena faz anos. A Ana Maria também. A Mena está no Ribatejo. A Ana em Luanda.
Eu estou aqui. Noutro Ribatejo; umas vezes, vezes demais, outras em Lisboa e outras onde me proponho estar e Deus deixa.
Hoje, apeteceu-me recordar, nos mínimos pormenores, ao meu jeito, como gosto, timtim por timtim.
E vivam as aniversariantes que somam anos.
A mãe Eduarda, essa, estará sempre somando pontos no meu coração.