Faço o saco. Pouca coisa. Vou p'ra perto. Pouca-terra, pouca-terra...
A escova dos dentes e pouco mais. Esqueci os chinelos. Acontece. Sempre. Não dá muito jeito dormir fora e andar descalça depois. O chão alheio é sempre mais frio que o nosso.
E andar de saltos a matraquear a tijoleira, é uma violência.
Pedindo, ganho uns chinelos. Mas não dá muito jeito pedir. P'ra não maçar.
Não sou conservadora e, ou, esquisita. Gosto de dormir fora. Ouvir o respirar das casas. A linguagem das paredes. Os quadros, as fotografias que se riem p'ra nós. E nós a rirmos p'ra elas. Aqueles rostos que conhecemos e que nem sempre estão felizes. E aqueles que só não partiram dos nossos corações. E os outros. Aqueles que nunca chegaram a entrar. Que não conhecemos.
E há os cheiros. Cada casa, o seu. Esta cheira bem. Insensos. Velas perfumadas. A limpo. A tranquilidade e harmonia. Equilíbrio. Lar. Como a casa da mãe. Que não é. Mas podia ser...
Já fiz o saco d'outras vezes. Por motivos vários. Nunca o que me trouxe agora. Talvez por isso me pareça a primeira.
Imaginem que nunca acordara com o comboio. Pouca-terra, pouca- terra...kuricuteeeela. Ocorre-me o Duo Ouro Negro. Ocorre-me sempre que vejo e oiço comboios. A primeira vez que neles andei, foi na chegada a Portugal, vinda de Luanda. Vinte anitos ingénuos e muito observadores. Esta estação que dista de mim hoje, talvez uns 500 metros, marcou-me p'ra sempre, nesse dia de estreia. Em Portugal e nos comboios. Na vida adulta, sim porque depois disso nunca mais fui a mesma. Se até ali nem sequer sabia o que era um comboio, depois, vi-os passar que se fez uma pressa, partir e chegar a tudo o que é estações e apeadeiros. Tantos que é seguramente o meio de transporte que mais gosto. Naquela de que, se não os vences, junta-te a eles.
Mas sendo esta uma estação sem importância, que serve generosamente um trio do Ribatejo bastante conhecido, Riachos, Golegã e Torres Novas, porque foi, A estação? Só porque o destino me estava a preparar para dali a mês e meio me mudar d' armas e bagagens para a região sem que soubesse ler nem escrever na cartilha da lezíria, cavalos, touros, toureiros e afins. É que indo eu p'ra Trás-os-Montes e mal imaginando que esta seria a estação onde apanharia ou perderia o trem da minha vida, a divina providência me pôs à fala com uma criatura que por outro acaso do destino, não só vivia aqui como conhecia uns tios ( meus ) que viviam na vila e que foram a porta de entrada para a minha saída.
Porque raio me lembrei da história duma refugiada, vulgo, retornada, em terras do Ribatejo, rolando nos carris do presente, a insistir na viagem do passado, numa, pouca-terra, monótona e a vapor? Porquê? Porque voltei aos comboios, à estação. Às viagens. Ao som do kuricuteeeela. Que por sua vez me faz lembrar alguém que foi importante nesta vida sem grande importância e que deu uns toques na bola numa equipa do sul de Angola a quem chamavam kuricutelas. E foram até campeões. Há pessoas que depois perdem o posto. Descem de divisão. Mas antes, já nos marcaram a ferro e fogo e uma simples palavra, zás, aí estão: hello! já acordaste desse dormir fora de portas? Pouca-terra, pouca-terra, kuricuteeeeeela!
Acordo depois de uma noite rápida. Eram três da manhã e eu no andar de cima finalmente. Foi um conversê danado ao serão. À meia-noite bocejava vencida. Eu que viera p'ra fazer companhia! P'ra dar apoio. Depois, o sono curioso como eu, percorreu as paredes reconhecendo rostos, modas, momentos, penteados e sorrisos e deixou-me, satisfeito. Satisfeita.
Fiquei à conversa com Luanda. Online. Até cair nos braços de Morfeu.
Acordei ao som do kuricuteeeeeeela! Foi a primeira vez.
Diz o lugar comum que p'ra tudo há uma primeira. Será?
Não vim ver os comboios e nunca tinha acordado ao som dos carris. Não tenho dúvidas nenhumas. Ainda hei-de fazer um interRail.
A escova dos dentes e pouco mais. Esqueci os chinelos. Acontece. Sempre. Não dá muito jeito dormir fora e andar descalça depois. O chão alheio é sempre mais frio que o nosso.
E andar de saltos a matraquear a tijoleira, é uma violência.
Pedindo, ganho uns chinelos. Mas não dá muito jeito pedir. P'ra não maçar.
Não sou conservadora e, ou, esquisita. Gosto de dormir fora. Ouvir o respirar das casas. A linguagem das paredes. Os quadros, as fotografias que se riem p'ra nós. E nós a rirmos p'ra elas. Aqueles rostos que conhecemos e que nem sempre estão felizes. E aqueles que só não partiram dos nossos corações. E os outros. Aqueles que nunca chegaram a entrar. Que não conhecemos.
E há os cheiros. Cada casa, o seu. Esta cheira bem. Insensos. Velas perfumadas. A limpo. A tranquilidade e harmonia. Equilíbrio. Lar. Como a casa da mãe. Que não é. Mas podia ser...
Já fiz o saco d'outras vezes. Por motivos vários. Nunca o que me trouxe agora. Talvez por isso me pareça a primeira.
Imaginem que nunca acordara com o comboio. Pouca-terra, pouca- terra...kuricuteeeela. Ocorre-me o Duo Ouro Negro. Ocorre-me sempre que vejo e oiço comboios. A primeira vez que neles andei, foi na chegada a Portugal, vinda de Luanda. Vinte anitos ingénuos e muito observadores. Esta estação que dista de mim hoje, talvez uns 500 metros, marcou-me p'ra sempre, nesse dia de estreia. Em Portugal e nos comboios. Na vida adulta, sim porque depois disso nunca mais fui a mesma. Se até ali nem sequer sabia o que era um comboio, depois, vi-os passar que se fez uma pressa, partir e chegar a tudo o que é estações e apeadeiros. Tantos que é seguramente o meio de transporte que mais gosto. Naquela de que, se não os vences, junta-te a eles.
Mas sendo esta uma estação sem importância, que serve generosamente um trio do Ribatejo bastante conhecido, Riachos, Golegã e Torres Novas, porque foi, A estação? Só porque o destino me estava a preparar para dali a mês e meio me mudar d' armas e bagagens para a região sem que soubesse ler nem escrever na cartilha da lezíria, cavalos, touros, toureiros e afins. É que indo eu p'ra Trás-os-Montes e mal imaginando que esta seria a estação onde apanharia ou perderia o trem da minha vida, a divina providência me pôs à fala com uma criatura que por outro acaso do destino, não só vivia aqui como conhecia uns tios ( meus ) que viviam na vila e que foram a porta de entrada para a minha saída.
Porque raio me lembrei da história duma refugiada, vulgo, retornada, em terras do Ribatejo, rolando nos carris do presente, a insistir na viagem do passado, numa, pouca-terra, monótona e a vapor? Porquê? Porque voltei aos comboios, à estação. Às viagens. Ao som do kuricuteeeela. Que por sua vez me faz lembrar alguém que foi importante nesta vida sem grande importância e que deu uns toques na bola numa equipa do sul de Angola a quem chamavam kuricutelas. E foram até campeões. Há pessoas que depois perdem o posto. Descem de divisão. Mas antes, já nos marcaram a ferro e fogo e uma simples palavra, zás, aí estão: hello! já acordaste desse dormir fora de portas? Pouca-terra, pouca-terra, kuricuteeeeeela!
Acordo depois de uma noite rápida. Eram três da manhã e eu no andar de cima finalmente. Foi um conversê danado ao serão. À meia-noite bocejava vencida. Eu que viera p'ra fazer companhia! P'ra dar apoio. Depois, o sono curioso como eu, percorreu as paredes reconhecendo rostos, modas, momentos, penteados e sorrisos e deixou-me, satisfeito. Satisfeita.
Fiquei à conversa com Luanda. Online. Até cair nos braços de Morfeu.
Acordei ao som do kuricuteeeeeeela! Foi a primeira vez.
Diz o lugar comum que p'ra tudo há uma primeira. Será?
Não vim ver os comboios e nunca tinha acordado ao som dos carris. Não tenho dúvidas nenhumas. Ainda hei-de fazer um interRail.
1 comentário:
olá. escrevi um comentário tão grande e não sei onde ele foi parar. Desejo-lhe uma boa viagem e que esse passeio seja revigorante. delicio-me ao ler os textos e a Maria Clara tem sem dúvida uma veia de escritora. Alêm de contar memórias, anteriormente vividas, durante a sua vida, escreve muito bem. devia publicar um livro. Por causa da expressão pouca-terra, lembrei-me dos meus tempos de infância. Sempre ouvi muito essa expressão, até porque vivo mesmo ao lado da estação de Valongo ( 5 minutos a andar a pé, até á estação ). beijos e um abraço
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