sexta-feira, 14 de outubro de 2011

divagações IX



Cheguei à paragem do autocarro a tempo e horas de espreguiçar a minha insónia e relaxar. Esperando e observando. Um aparato policial como já não via há muito acontecia mesmo à frente do meu nariz. Um dia destes vou fazer medições, comparações, nas minhas feições a ver se tenho ascendência judia. Nunca se sabe...
Os polícias aos pares, regulavam o trânsito, pondo a boca no trombone, melhor dizendo, no apito que aqui vai disto, que somos a força...policial.
Começou a guerra? pensei interrogando o meu espírito angustiado com as notícias.
Guerra? Que guerra que carapuça! Que a enfie a quem servir. O povo é sereno e conformado.
Um mar de gente em frente à escola de polícia. E os instruendos na sua farda de trabalho azul caqui, marchando.
Um dois, um dois, marchando, marchando, a caminho de um emprego na função pública. Polícias.
Marchando felizes. Vitoriosos. Uáaaau! Iuuuuupi. Punho fechado socando o ar deste outono desgovernado e brincalhão, fingindo de verão escaldante. Chegou o dia. Do juramento de bandeira.
Bandeira? Que bandeira? Ia jurar que vi a bandeira alemã esvoaçando. E o Ribatejo dando lugar a um Alentejo árido e desértico, onde a incidência de suicídios é assustadora.
Eles marchando.
Nós marchando, marchando, marchando, um dois, um dois, direita volver, cabeças baixas, mãos crispadas, olhos baços, ombros caídos, pensamentos negros, sonhos mortos.
Bonecos. Manipulados. Marionetas. Tresloucados. A caminho de um qualquer campo de concentração.
Olhei em frente erguendo o rosto, empinando o nariz num derradeiro gesto de revolta e inconformação. Eles, os instruendos, marchando, marchando, os outros, os polícias a quem vão tirar dois ordenados e mais umas quantas regalias e outros direitos, orientando a marcha, perdão, o trânsito, apito ( não sei se era dourado ) na boca, mãos nas luvas brancas...
Como que num flash veio-me à memória uma professora primária do fim dos anos 70, inconformada, com sangue na guelra e Trás-os-Montes no coração, a quem chamavam a professora vermelha. Minha prima. Ainda hoje gosta de lembrar esse tempo. Sente orgulho. A professora vermelha da terra vermelha...
E como os pensamentos são como as cerejas que por sinal também são vermelhas, lembrei-me do poeta. Num tempo tão agreste, a poesia pode ser uma arma. E ajudar. " Se choramos aceitamos, é preciso não aceitar..." já dizia o poeta angolano, António Cardoso. E como até sou do Benfica embora já não vá em futebois e não tendo medo nem preconceito, só cá por causa de coisas logo ao serão após as notícias do telejornal, vou procurar na minha estante o livro de poemas deste homem a quem tiro o meu chapéu, pois sabia o que dizia quando dizia que " se choramos, aceitamos, é preciso não aceitar..."

Sem comentários: