quinta-feira, 6 de outubro de 2011

No social



Desci a ladeira a caminho da feira. Ouvi: Ó Claaara!
Olhei. A princípio não conheci. De calções, t-shirt branca e ténis. Acabara de poisar a bicicleta e sentara-se no muro junto ao parque de estacionamento.
- Atão? Que tal va'isse?
Conheci a voz e o sotaque alentejano. De Niza. E a figura. Durante anos e anos passei mais horas com esta personagem do que com a minha família.
Já não o via há alguns anos.
- Tá bom? Então está a descansar?
- Já não sou capaz de subir a ladeira. Vai à mão até casa.
O que ia à mão era a bicicleta, a grande e velha amiga deste homem que conheço há 36 anos sempre pedalando.
Durante anos a sua figura foi estranha. De fato completo e pedalando pela cidade. Ou indo para o trabalho. Os tempos mudaram e ele mudou. De roupa e de resistência. São os sinais do tempo.
Cheguei à feira. Já não via tanta gente conhecida há muito tempo. Daquelas pessoas que a gente gosta de saber que ainda por cá andam. Daquelas que nos esquecemos que existem. Daquelas que preferimos nem saber que existem. E começaram os cumprimentos...Olá tá boa? Os meninos estão bons? O marido? Há muito tempo que não o vejo...eu sorrio, encolho ombros, respondo aqui e acoli e sigo. A pessoa que vendia os bilhetes ( 1 euro ) conheço-a de sempre. O porteiro que me cortou o dito bilhete foi meu vizinho da frente mas já não é. À mulher, vi-a lá dentro com a filha que está uma senhorinha. Os miúdos crescem tanto!
O Raul lá estava, como sempre. Há pessoas que a gente sabe que encontrará sempre no mesmo lugar, o mesmo sorriso rasgado, dizendo sempre as mesmas palavras, um cansaço, mas que se não estivesse sentir-lhes-ia a falta. Não parei na sua banca de frutos secos premiados ao longo dos anos de feira. Para não o deixar sem jeito. Ele fica. O Raul é a criatura, que em miúdo, ouvia no rádio a pilhas, o, " quando o telefone toca " mesmo em frente à minha casa no centro da então vila e que adolescente foi trabalhar para a mercearia de onde gastei anos a fio.
A Augusta também estava num espaço, vendendo bolas de carne. Falei-lhe para lhe perguntar pelas broas que sempre vendeu. - É no outro pavilhão, Clara. Está lá a minha filha. Então está tudo bem? Os meninos? e o Z...? - Estão todos bem, respondi. E bazei dali p'ra fora. Que missão a minha! Que sina! Querem endoidecer-me?
De companhia, vi os Camponeses de Riachos dançarem, a Teresa Tapadas cantar-lhes e a Telma, que já não via há muito tempo dançando como sempre. Lindamente. O mestre no fim dedicou a última dança do grupo folclórico aos bailarinos que com eles estavam a trabalhar e anunciou que o espetáculo seria dia 22 em Torres Novas. Gostei. Muito. Conheço o mestre há mais de 300 anos. De muitos espetáculos e feiras. Conheço os dançarinos. E as músicas. O fandango. Alguns partiram, outros cresceram. E conheço os ditos bailarinos a que ele se referia. Bem. Muito bem.
Tenho andado muito afastada do social e da cultura da cidade. Acho que não me tem feito falta, mas agora que penso nisso, gostei de ir à feira. Com quem fui e estive. Um orgulho. Um privilégio. No fim, o grupo com quem tive o prazer de petiscar e conversar, sentou-se para o efeito numa das tasquinhas do recinto. E eu senti-me a fazer as honras da casa. Que ironia!
Rematei com uma broinha ( merendeira ) do canto da filha da Augusta. E depois vim p'ra casa.
A subir a lareira onde horas atrás encontrei o meu ex-colega de trabalho, estava o ex-vizinho de todas as manhãs.
- Olá vizinha, está tudo bem? Boa noite e até amanhã. Ignorando a minha companhia.
- Olá, até amanhã.
Um feriado com vários ex. Será que toda a gente tem ex às mãos cheias, como eu? Deixem p'ra lá.
Chego a casa. À porta, a Pitanga, que me espera pacientemente. Dentro, um calor insuportável. Estou em casa.
O dia hoje foi como ao domingo. Mas muito diferente. Estou de companhia. A melhor de todas. Quer dizer, há outra que é tal e qual como esta. A melhor.
Tem sido tão bom estar de companhia...

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