
De vez em quando, muito de vez em quando, estrelo um ovo, dos caseiros. Em azeite. Porque será que não me sabem aos ovos do galinheiro da d. Celeste? Comidos às 7 da manhã, sol alto e roupa branca no coradouro. A Lucrécia preparando o feijão d'óleo de palma e a esteira à minha espera. P'ra lhe fazer companhia, a comer. O amolador de tesouras anunciando-se e a quitandeira parando à entrada do portão. Na quinda, maracujás e fruta pinhas.
Salivo um pouco mais nas memórias.
A Rita disse: Se quiser ovos caseiros...
Em memória das memórias desse tempo que não viverei nunca mais, pedi uma dúzia d'ovos, na mercearia de bairro, à Ritinha, que vai estudar de novo, para um emprego melhor. Assim como o da irmã, assistente de bordo..." veja lá qu'ela tá há quatro meses fora, entre Paris e Madagáscar. Vive nos hotéis. Vida boa! Quem me dera. É raro cá vir e quando vem ver a família nem sai de casa. Isto não lhe diz nada. Como aos seus meninos. Raramente vêm não é? Que é que eles cá vêm fazer se você lá vai?! A Ritinha... empregada da mercearia de bairro que vende produtos caseiros; ovos, tremoços, broas dos Santos, geleia de marmelo, diospiros, bolos de Cabeça.
Podia ser a loja do Sô Santos. Naquele tempo da goiabada vendida à fatia. Da massambala nos cartuchos de papel pardo. Do feijão macunde. Do leite Moça e dos frascos de Energetic. Dos cigarros negritas, sem filtro e adocicados. No tempo do carvão ao quilo, do azeite doce avulso e do vinho abafado ao copo. Do peixe espada frito no óleo de palma e da jinguba e castanha de cajú assadas, p'ra comer com pão. Da carne de porco salgada e do toucinho cortado a pedido.
Sábado no Ribatejo.
Outono que nem lembra cacimbo mas chamou as lembranças de além mar, de bairro, de pai e de candengue que nem sequer desconfiava que tinha a felicidade nas mãos e as ocupava a procurar lenha para se queimar entre uma brincadeira e outra, nas casas dos vizinhos de bairro, ou nos quintais onde havia maçãs da índia .
A Rita assentou no bloco: dona Clara. Clara quê? perguntou. Santos, disse-lhe. E prosseguiu...d. clara santos, uma dúzia de ovos.
Gostei do apontamento. A lembrar os livros onde o pai assentava fiado o que compravam e muitas vezes não pagavam.
No centro deste país à beira mar plantado as grandes superfícies são a mais. E mercearias de bairro são de menos. E Ritas, já não se apanham. Esta também se escapará quando fôr estudar como a irmã o fez, e imitando-a, se puser ao fresco, voando mais longe e mais além.
Voltar às origens está na ordem do dia. Às lembranças não é difícil voltar. E afinal, uma dúzia de ovos caseiros custa 1,50€.
Atravessamos momentos difícies. Aplaudo a convivência de bairro. Nasci e cresci na Vila Alice e tenho desse tempo as memórias mais ricas e belas.
Sou de opinião de que não devemos ligar às bocas de trazer por casa e em vez disso, apoiar os produtos nacionais, adquirindo-os. Todos ganhamos com isso. Bora lá então. É que também não temos outra saída...
Se fechar os olhos por um instante, parece que vejo o sô Santos a sorrir, concordando comigo.
2 comentários:
olá..espero que esses ovos, também lhe saibam muito bem. A minha Mãe, quando dava aulas, chegava da escola e comia logo um ovo, no meio de um pão e que bem lhe sabia. Esta semana, e com a minha Mãe de cama ( gripe ), não queria lanchar e eu tive a ideia de lhe estrelar um ovo. comeu o ovo todo e o pão :). beijos e continuação de um bom fim de semana.
Obrigada, Nuno.
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