Terça-feira, dia de mercado semanal. Caminho apressadamente para o autocarro. Há coisas que nunca mudam. Nem mesmo as férias me alteram a sina. A minha pressa contrasta com a calmaria da cidade, que partiu para férias. O Agosto aproxima-se a passos gigantes e há terras que tal como a minha pressa, não surpreendem.
Sou do tempo que a vila, sim, porque era uma vila, os seus habitantes da periferia ou mesmo das aldeias, em dia de mercado como hoje, diziam, vou à vila, e os teimosos ainda hoje o dizem, mas dizia eu que a vila morria num êxodo histérico, a caminho da Nazaré. Para banhos. Os banhos dos rapazes dos 18 aos 30 eram outros. Sobretudo aqueles acabadinhos de chegar do ultramar. Iam à cata de francesas e suecas, não acredito que estou a escrever isto, mas se era verdade?!!!Quanto mais altas, melhor. E mais loiras. E mais lindas. E mais livres e mais prontas para viverem a vidinha, despacharem-se que era uma pressa...
E éramos nós a perguntarmos o que é que as suecas e as francesas tinham que a gente não tinha. E eram charros, a liamba que vinha das áfricas escondida nas malas, e era o álcool, as cervejas que se habituaram a beber no mato, na torreira do sol, e era o ócio, pois ainda não tinham nem queriam ter emprego, e era o sangue novo na guelra e o pânico de não " aproveitarem " a vida, porque esta ainda há pouco, valera um tostão furado no cano da metralhadora que empunharam e viram empunhar, pelo menos por dois longos e loucos anos.
E como tudo o que é bom acaba rápido, e o que não é também, que esta vida corre e corre connosco dos lugares onde fugimos de nós, eles, estes " borrachos " do tempo em que a cidade era uma pacata e alegre vila, voltavam ao pombal anilhados na dependência que tinham com as famílias, os amigos e alguma namorada. E era vê-los exibindo um umbigo do tamanho da terra, tirada que fora, a barriga de misérias. Se havia alguma ilusão de os vermos mais bonitos, o ar da praia, os benefícios do sol, que empresta cor à pele, e o descanso, desenganávamo-nos, assim que lhes púnhamos a vista em cima, pois estes rapazolas charmosos ( eram quase todos meus amigos, rssssss, como é que pode?! Pode ) que iriam ser os kotas empestados de charme, hoje, apareciam com a palidez com que partiam, olheiras até à boca, o corpo cheio de boa vida e a pretenção de conquistarem as moçoilas da terra que os aguardavam tolas e esperançosas, repetindo frases que não ousavam tornar-se audíveis, agora é que é, ele vai reparar em mim, as suecas e as francesas já lá vão, tenho um ano, um ano inteiro para mostrar o que valho.
Enquanto isso eles passeavam-se pela avenida junto ao rio, saltitavam da Abidis para a Império, pastelarias do jet-set, apareciam nas piscinas municipais, não para mostrarem o físico mas antes para catrapiscarem as morenas que mergulhavam e nadavam dengosas na água doce do gigante tanque aquecido e coberto, ou no outro ao ar livre, que fartos de loiras vinham eles. Uma amiga era como um homem, para estes conquistadores de meia tigela e por isso ouvia-lhes os disparates, estava a par das asneiras, sabia quando atacariam de novo, porque os homens deste tempo e com esta personalidade precisam de manter a amizade das criaturas que lhes dão tampas. Aliás estes homens, que ainda não tinham crescido e carregavam fardos pesados duma guerra inglória e já tinham conhecido o sofrimento, ainda eram uns meninos. Os carros topo de gama que os pais, abastados agricultores, comerciantes, empresários, lhes punham nas mãos como que em jeito de prémio por terem sido uns heróis e voltado pelos seus próprios pés, eram um brinquedo que usavam e abusavam e servia de isco para o engate. Às vezes, cruzo-me com alguns, desse tempo inconsequente,que até tinham uma voz bonita, um corpo perfeito, o cabelo comprido, mãos macias e calçavam irrepreensivelmente. Estão iguais?! Aparentemente. Até me esqueço que deveriam ser uns kotas charmosos. Envelhecidos 30 e tal anos. Cansados. Doentes alguns e outros já nem me cruzarei nunca mais com eles. Mas já não passeiam francesas nem suecas. Hoje vagabundeiam sozinhos. Carregando o desencanto, a tacanhez da cidade, e os quilos que engordaram( todos nós, eles também não escaparam ). E quando assim é, sinto-me também desencantada porque morreu uma energia qualquer, forte, entre mim e estas pessoas que o tempo conformou.
Mas dizia eu, lá muito no começo deste texto, que a cidade é uma pasmaceira, mesmo em dia de mercado. Pois é. Nem o pregão desesperado da cigana que vive na ladeira do ex-hospital militar move a conformação que baixou a esta terra bonita, porém triste, do ribatejo. " Directamente da Zara, mulheres, são só 5 aéreos... comprem, que está em saldos, mulhéeeeeeres. É aproveitar que é dado ". Ninguém se entusiasma. Não há entusiasmo. Eu vi em Peniche. Os restaurantes vazios. As ruas tristemente vazias. A praia vazia. Os bolsos vazios.
Até o autocarro, a caminho da terra do rapazinho que ganhou o prémio das olimpíadas de matemática, vai vazio também. As marretas no primeiro banco, a senhora que está sozinha porque o marido está na Escócia, o rapaz que desce na Videla, a rapariga ucraniana que se desfaz em mesuras comigo, e eu. Soube que já tinham dado pela minha falta, até pediram ao motorista que esperasse, na 2ª feira. Inutilmente, pois vim directamente de Lisboa, disse à Bélita, pois que a quis informada das últimas novidades. Eu sei que ela adora saber coisas. Quadrilheira que eu sei lá, fica feliz quando sabe qualquer coisita de mim. E eu abro o jogo. Muito calculado, evidentemente. Só para lhe poder ver o rosto de felicidade e cumplicidade (?). É assim uma espécie de ficar por conta das delicadezas que tem comigo. Não me custa nada e faço uma criatura feliz.O motorista que não é o sr. margarido, olha o meu cartão. Digo, para Alcanena. Digita o código e entrega-me o bilhete. Empresta-me a esferográfica. É motorista do TUT e aposto que ficou confuso. As minhas companheiras de viagem que saem na minha paragem estão de férias, se não fico à coca, vou parar à garagem e deixo o tribunal para trás. Por falar em tribunal, até nem me custou voltar ao emprego, trabalho, exercício da profissão, como queiram e achem melhor chamar. Estou por tudo, neste particular. E noutros, também. Que seja como quiserem, a ver se eu me ralo... Apesar de não estar para aqui virada, ( para o trabalho ) pior, pior é ser uma ilha, deserta. E é como me sinto. Uma ilha que não avista outras ilhotas mais pequeninas mas que lhe pertencem. Isso é que custa, mas o que é que eu quero?! É a minha sina. Na cidade pacata onde vivo, em Lisboa, ou noutro sítio qualquer, o meu destino é este. E não posso nem quero mexer no destino. Como uma colega diz, tenho que me aguentar à bronca até daqui a uns dias, até Setembro e depois voltar a respirar plenamente no ritmo certo para não ter taquicardia.
Há coisas que nunca mudam...
Sou do tempo que a vila, sim, porque era uma vila, os seus habitantes da periferia ou mesmo das aldeias, em dia de mercado como hoje, diziam, vou à vila, e os teimosos ainda hoje o dizem, mas dizia eu que a vila morria num êxodo histérico, a caminho da Nazaré. Para banhos. Os banhos dos rapazes dos 18 aos 30 eram outros. Sobretudo aqueles acabadinhos de chegar do ultramar. Iam à cata de francesas e suecas, não acredito que estou a escrever isto, mas se era verdade?!!!Quanto mais altas, melhor. E mais loiras. E mais lindas. E mais livres e mais prontas para viverem a vidinha, despacharem-se que era uma pressa...
E éramos nós a perguntarmos o que é que as suecas e as francesas tinham que a gente não tinha. E eram charros, a liamba que vinha das áfricas escondida nas malas, e era o álcool, as cervejas que se habituaram a beber no mato, na torreira do sol, e era o ócio, pois ainda não tinham nem queriam ter emprego, e era o sangue novo na guelra e o pânico de não " aproveitarem " a vida, porque esta ainda há pouco, valera um tostão furado no cano da metralhadora que empunharam e viram empunhar, pelo menos por dois longos e loucos anos.
E como tudo o que é bom acaba rápido, e o que não é também, que esta vida corre e corre connosco dos lugares onde fugimos de nós, eles, estes " borrachos " do tempo em que a cidade era uma pacata e alegre vila, voltavam ao pombal anilhados na dependência que tinham com as famílias, os amigos e alguma namorada. E era vê-los exibindo um umbigo do tamanho da terra, tirada que fora, a barriga de misérias. Se havia alguma ilusão de os vermos mais bonitos, o ar da praia, os benefícios do sol, que empresta cor à pele, e o descanso, desenganávamo-nos, assim que lhes púnhamos a vista em cima, pois estes rapazolas charmosos ( eram quase todos meus amigos, rssssss, como é que pode?! Pode ) que iriam ser os kotas empestados de charme, hoje, apareciam com a palidez com que partiam, olheiras até à boca, o corpo cheio de boa vida e a pretenção de conquistarem as moçoilas da terra que os aguardavam tolas e esperançosas, repetindo frases que não ousavam tornar-se audíveis, agora é que é, ele vai reparar em mim, as suecas e as francesas já lá vão, tenho um ano, um ano inteiro para mostrar o que valho.
Enquanto isso eles passeavam-se pela avenida junto ao rio, saltitavam da Abidis para a Império, pastelarias do jet-set, apareciam nas piscinas municipais, não para mostrarem o físico mas antes para catrapiscarem as morenas que mergulhavam e nadavam dengosas na água doce do gigante tanque aquecido e coberto, ou no outro ao ar livre, que fartos de loiras vinham eles. Uma amiga era como um homem, para estes conquistadores de meia tigela e por isso ouvia-lhes os disparates, estava a par das asneiras, sabia quando atacariam de novo, porque os homens deste tempo e com esta personalidade precisam de manter a amizade das criaturas que lhes dão tampas. Aliás estes homens, que ainda não tinham crescido e carregavam fardos pesados duma guerra inglória e já tinham conhecido o sofrimento, ainda eram uns meninos. Os carros topo de gama que os pais, abastados agricultores, comerciantes, empresários, lhes punham nas mãos como que em jeito de prémio por terem sido uns heróis e voltado pelos seus próprios pés, eram um brinquedo que usavam e abusavam e servia de isco para o engate. Às vezes, cruzo-me com alguns, desse tempo inconsequente,que até tinham uma voz bonita, um corpo perfeito, o cabelo comprido, mãos macias e calçavam irrepreensivelmente. Estão iguais?! Aparentemente. Até me esqueço que deveriam ser uns kotas charmosos. Envelhecidos 30 e tal anos. Cansados. Doentes alguns e outros já nem me cruzarei nunca mais com eles. Mas já não passeiam francesas nem suecas. Hoje vagabundeiam sozinhos. Carregando o desencanto, a tacanhez da cidade, e os quilos que engordaram( todos nós, eles também não escaparam ). E quando assim é, sinto-me também desencantada porque morreu uma energia qualquer, forte, entre mim e estas pessoas que o tempo conformou.
Mas dizia eu, lá muito no começo deste texto, que a cidade é uma pasmaceira, mesmo em dia de mercado. Pois é. Nem o pregão desesperado da cigana que vive na ladeira do ex-hospital militar move a conformação que baixou a esta terra bonita, porém triste, do ribatejo. " Directamente da Zara, mulheres, são só 5 aéreos... comprem, que está em saldos, mulhéeeeeeres. É aproveitar que é dado ". Ninguém se entusiasma. Não há entusiasmo. Eu vi em Peniche. Os restaurantes vazios. As ruas tristemente vazias. A praia vazia. Os bolsos vazios.
Até o autocarro, a caminho da terra do rapazinho que ganhou o prémio das olimpíadas de matemática, vai vazio também. As marretas no primeiro banco, a senhora que está sozinha porque o marido está na Escócia, o rapaz que desce na Videla, a rapariga ucraniana que se desfaz em mesuras comigo, e eu. Soube que já tinham dado pela minha falta, até pediram ao motorista que esperasse, na 2ª feira. Inutilmente, pois vim directamente de Lisboa, disse à Bélita, pois que a quis informada das últimas novidades. Eu sei que ela adora saber coisas. Quadrilheira que eu sei lá, fica feliz quando sabe qualquer coisita de mim. E eu abro o jogo. Muito calculado, evidentemente. Só para lhe poder ver o rosto de felicidade e cumplicidade (?). É assim uma espécie de ficar por conta das delicadezas que tem comigo. Não me custa nada e faço uma criatura feliz.O motorista que não é o sr. margarido, olha o meu cartão. Digo, para Alcanena. Digita o código e entrega-me o bilhete. Empresta-me a esferográfica. É motorista do TUT e aposto que ficou confuso. As minhas companheiras de viagem que saem na minha paragem estão de férias, se não fico à coca, vou parar à garagem e deixo o tribunal para trás. Por falar em tribunal, até nem me custou voltar ao emprego, trabalho, exercício da profissão, como queiram e achem melhor chamar. Estou por tudo, neste particular. E noutros, também. Que seja como quiserem, a ver se eu me ralo... Apesar de não estar para aqui virada, ( para o trabalho ) pior, pior é ser uma ilha, deserta. E é como me sinto. Uma ilha que não avista outras ilhotas mais pequeninas mas que lhe pertencem. Isso é que custa, mas o que é que eu quero?! É a minha sina. Na cidade pacata onde vivo, em Lisboa, ou noutro sítio qualquer, o meu destino é este. E não posso nem quero mexer no destino. Como uma colega diz, tenho que me aguentar à bronca até daqui a uns dias, até Setembro e depois voltar a respirar plenamente no ritmo certo para não ter taquicardia.
Há coisas que nunca mudam...
3 comentários:
olá...que bem que sabe recordar o passado. Eu aqui ainda digo " vou a Valongo, ou vou á cidade " e vivo na cidade de Valongo, que quanto a mim deveria era ser Vila... um bom trabalho para si :) . beijos
Obrigada, Nuno.
beijos.
Tenho adorado os teus textos. As férias fizeram-te bem, Clarinha. Estás muito inspirada. Foi das aparições na beira da piscina? Ou do sol na moleirinha?
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