domingo, 3 de julho de 2011

descomplicar-me


Chove na rua. O vento sopra frio e sem delicadeza. A bungavília do jardim cora rosada à sua passagem. Aquecem mil verões na minha pele. Sonho dias de cor e luz. Chega até mim o pregão da quitandeira gritando que é laranjeeeeeeeê, vindo com o vento sul. Debruço-me na janela que dá para o mar, lá adiante. Aonde o limite do horizonte é a ilha. Do Cabo. É domingo. Não um domingo qualquer. É Julho e eu parei em Janeiro. Aqui um gelo de inverno que não dá pela minha ausência, não sente a minha falta, não precisa das minhas palavras nem responde aos meus anseios. Ali, aonde o meu sonho sonha na cor do amor maior e eterno, perfuma-me a flor de acácia, delicia-me a estória do mato, da hiena chorona, da cacimba de s. domingos, do bangão lá do muceque, do rio que beija o mar, da sombra da mulemba. Ali, vive-me a vila alice, descansa-me os bancos de pedra dos sonhos que hão-de vir...ali, onde os braços são tenazes que me apertam, e me libertam da outra vida de mim, parei num miradouro qualquer, de um Janeiro diferente. De sol e muito calor. De alegria, banho de mar, sol das minhas madrugadas, pena dos meus poemas, penhora da minha fé. Ali, num domingo que cheira a terra molhada, parei e me deixei no mais profundo de mim.
A chuva cai, o vento sopra, a bungavília cora e eu me debruço na janela. Ia jurar que algo me saudou. Pressenti o vôo do albatroz rasante às ondas do azul verde mar, no sul que trago em mim. Hoje vou usar os binóculos do tempo que parou em janeiro e não te vou sonhar. Vou ver-te. Contemplar-te e sentir-te. E vou descomplicar-me.

1 comentário:

maria disse...

Lindo texto, Clarinha.
Adorei.
bjs