Este é o famoso bolo de ouro que eu aprendi a fazer lá nos confins do tempo do ualálá, ano de 1968 quando a vaqueiro lançou a receita. Era uma pita, que armava em senhoreca e ia para a cozinha da D. Celeste inventar e fazê-la desesperar. Parece que a estou a ver, linda, maravilhosa, mas de mãos na cabeça: ai maria clara, maria clara...
O primeiro bolo que fiz foi a meias, numa parceria com a Fatinha Garnacho, minha amiga desde os 4 anos e até hoje e vizinha de muitos anos. Eu 12 anos, ela um pouquito mais.
Era domingo. Depois do almoço resolvemos experimentar uma receita que vinha na Crónica Feminina, eu acho. Ou seria a Plateia? Já não sei bem. Sei que se chamava Bolo de Prata.
Com claras de ovo. E se correu bem...Ficou óptimo. De comer e chorar por mais.
Depois de o desenformarmos fomos brincar de caxexe, para o passeio que ficava à frente da Ourivesaria Sousa. Ao portão estava a Molombosa, a Teresa, a única miúda graúda, mais velha, já com chuchinhas, a quem dei um bofetão que me soube pela vida, que até fiquei consoladíssima de lho dar, porque estava a merecê-las que eu nunca gostei que se metessem comigo cobardemente, a olhar para o chão e a tramarem-me. A Teresa estava ao portão porque não a deixavam brincar connosco nem com outros. A nós também não, mas quem disse que obedeciamos? Sô Santo se me apanhasse na rua ao domingo horas esquecidas ajustava as contas no cavalo marinho, mas eu não me importava. Podia calhar, mas também podia não calhar e a brincadeira ninguém ma tirava e era tão cuiosa...
Sô Rocha, também coçava as carraças na mana Fatinha se a apanhasse, pé descalço, correndo avenida fora, dando berrida nos mais novos, mas passava muito tempo em viagem para o mato nas colunas militares e a minha kamba de criança, ali porta com porta, amiga das brincadeiras, podia exagerar à vontade naquele domingo. Já eu...acabando o relato do Benfica tinha que esquecer a rua e voltar para casa. Acho que é por isso que não gosto dos domingos no lusco-fusco e pela noite fora. Deu-me sempre uma tristeza...
O mano Zé veio a correr chamar-nos - Euê, o pai vai-te dar, está farto de ralhar.
E levei mesmo. Nunca me esqueci que no dia que fiz o meu primeiro bolo, que ficou tão bonito, de prata, levei uma surra. Acho que sei todas as que levei. Não foram muitas mas foram sofridas. Não percebia porque é que sô santo ficava zangado comigo para me castigar assim. Ficava ofendida, mais do que dorida. Se o avô Carvalho estivesse...mas estava para Sul. Moçâmedes, Porto Alexandre...só vinha no Natal.
Eu era desobediente e mal criada. Respondona, sempre. Com a mãe então...
Este é o bolo dos dias de festa. Bolo de Ouro. Não de Prata, como o outro.
Cinco ovos, 250g de vaqueiro, 250 g de farinha, 250 g ( um pouco menos ) de açúcar, uma colher de sobremesa de fermento e raspa de limão. Para o recheio, farinha custarda como ensina na embalagem. E pêssego em calda para enfeitar.
Este é o bolo que me faz lembrar a minha mãe, hoje.
Bonito e saboroso. A fazer crescer água na boca.
Lembrança de momentos felizes. Passado. Luanda. Criança. Família. Amigos.
Colo, beijos, mimo, abraços.
D. Celeste, a mulher mais linda da minha vida. As mãos mais bonitas, o olhar mais meigo, o jeitinho mais tímido...
A pessoa mais sofrida, pacífica, calma e resignada que conheci.
Filha do avô Carvalho.
Mãe da caçula. Mãe do mano Zé. Mulher do sô Santo.
Avó da Ângela e do David.
A minha placenta. O meu colo. Meu porto seguro.
Minha Mãe!
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
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2 comentários:
Maria Clara das Dores !!!
Querias ver a Mãe Eduarda bem contente da vida ?? Era só fazer-lhe este bolo. Podia haver bué deles, mas este!!! MINHA MÃE EDUARDA, era este o teu bolo também. Duas MÃES, as Nossas, kuiando o mesmo bolo ??
Só mesmo de Nós.... ah, Maria Clara das Dores, o que me foste agora lembrar...
Beijinhinhos nessa memória de elefante.
Xi___________________________da Mimi
...e mais, a forma para este bolo, não era uma qualquer. Já tinha a parte debaixo com o feitio para lá pormos o creme de custarda, as rodelas de pêssego e enfeitar com o morango ! Saudades...
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