sexta-feira, 11 de março de 2011

como num diário


Quando era miúda não sabia o que queria fazer quando crescesse. Apenas queria brincar. Muito. Viver o tempo presente, sempre a brincar. E brincava de mãe, de esposa, de cantora, de actriz, de professora.
Na adolescência, fascinavam-me os jornalistas e os médicos. Os primeiros porque faziam reportagens em zona de conflito e guerra, mostrando coragem e profissionalismo, para além de que era o máximo naquele tempo uma mulher ser jornalista, pois quase não existiam e as que existiam eram notáveis e por isso muito conhecidas. E os segundos, porque estive muito doente quando tinha quatro anos e andei na mão do Dr. Costa e Silva e da Drª Rosinda Guimarães, tendo estas duas criaturas sido como que os meus fazedores de milagres, salvando-me de um tifo que na época matava sem dó nem piedade. Que me roubou o andar, o cabelo e os quilos de que precisava para recuperar. Lembro-me que estive mais para lá do que para cá, mas safei-me e a prova disso é que ainda cá ando.
Quando tive de escolher, no liceu, sem hesitar escolhi a área de ciências, a fim de vir a ser médica. Psiquiatra...
A matemática moeu-me os fígados e uma paixão, a mais avassaladora, também. A guerra fez o resto e eu acabei a dar aulas num colégio, sempre com o olhar na medicina, que achava que ainda podia correr atrás quando tudo voltasse ao normal. Corri afinal, a toque de caixa daquele cenário de guerra e vi os meus sonhos serem mortos sem dó nem piedade sem que tivesse tempo sequer de os enterrar, ficando por isso a penar por terras de Angola, a possibilidade, a vontade de estudar até chegar lá, ao que eu sonhara.
Nesse tempo complexo, inseguro e inquieto, li. Muito. Li tudo o que me era dado ler. Escrevi. Pequenos textos, quadras, poemas. Diários.
Conheci Pessoa, Florbela Espanca e outros. E desejei ser como eles. Uma escritora de nome. Depressa afastei esse pensamento. Que nem chegou a ser sonho dada a sua leviandade e atrevimento. Porém ficou-me o desejo de escrever. E ao longo dos tempos, fui solicitada a escrever letras para músicas, para concursos e para peças musicais, representadas em palcos diversos, e fi-lo. E posteriormente, desde há quase quatro anos, escrevo. Muito. Com carácter quase que obrigatório. Aqui diariamente e de outras formas. E sinto-me grata cada vez que um amigo gosta do que escrevo e mo diz. Ou mesmo quando só conhecido ou estranho. Aliás, se for desconhecido chego a sentir uma certa vaidade, perguntando-me até se são generosos, mentirosos, bajuladores ou simplesmente sinceros. E pergunto-me também da capacidade para avaliarem. E desisto, porque não sei tudo. Não sei nada...
O facebook, quanto a mim, é maravilhoso. Através dele encontrei pessoas das quais não sabia há muitos anos. Tenho alguns amigos por lá. Não sou daquelas pessoas que diz que só tem no facebook gente de quem é amigo de facto. Eu não. Aceito os pedidos. Sobretudo de angolanos ou residentes e ex-residentes de Angola. Não é por aí que o gato vai às filhós. Posso bloquear sempre que achar necessário. Já o fiz.
De vez em quando publico poemas, textos e fotos. Ontem tinha o sinal de um comentário e, claro, fui ler. Comentava assim um amigo que não conheço, mas conheço, acerca de um poema que já publiquei aqui no blog, pouco antes de voltar a Luanda a última vez e que se chama Aspiração. E disse assim o meu amigo, ilustre desconhecido:
" Brilhante, Maria Clara! Só ao alcançe dos talentosos! Como é bom assistir à sua chegada e segui-la entoando tão belo cântico de louvor à vida. Parabéns! "
Fiquei tão surpreendida que até chorei.
Os comentários valem o que valem, porém este tocou-me forte. Porque é um poema dedicado à minha Luanda e à minha chegada e porque tocou um angolano que vive cá. E que o fez, ser generoso. E que conseguiu que eu pensasse, por breves segundos, como num dia distante, leviana e atrevidamente que gostava de ter talento para um dia ser escritora...

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