sábado, 12 de fevereiro de 2011

uma cidade, um percurso, uma vida

Quinta-feira fui ao cinema com amigas. A uma das salas do shopping que existe em torres novas. Ver o Cisne Negro. Não foi a primeira vez, mas foi a segunda. Este espaço existe há cerca de quatro anos talvez. Não sou frequentadora do centro comercial local. Mas de vez em quando alguém me leva lá. Vai haver uma terceira, concerteza. Mas...
Pois é. Tenho muitas saudades de Torres Novas que conheci e vivi. E do cine-teatro Virgínia.
Do tempo em que todos os domingos à noite ia ao cinema. A sala de 1000 lugares à época, enchia. Eu tinha 20 e tal anos e toda a gente naquele tempo tinha vinte anos. Os homens eram uns rapazitos acabados de vir da guerra do ultramar, bonitos, elegantes e charmosos. Nós mulheres, éramos umas meninas, bonitas, elegantes e cheias de ilusões. Todos solteiros. Todos com os mesmos gostos e os mesmos anseios.
As vivências seriam diferentes. Havia quem já tivesse visto mar mais azul, terra mais vermelha, sol mais escaldante e gente mais genuína. Vivido amores mais intensos e ambicionado mundos mais alargados. Mas, tínhamos vinte anos. Uma cidade pequena e bonita que ficava mais longe da capital que hoje. Não havia auto-estradas, nem para norte nem para sul ou para Oeste, e todos nós vivíamos a cidade e as outras próximas de uma forma mais saudável e honesta. Se queríamos ir às piscinas, estavam ali à nossa espera na Avenida junto ao rio. Se queríamos uns trapitos, o comércio local e os mercados de rua vendiam. Se queríamos ler, a Biblioteca cobrava muito pouco pelos livros que lá íamos buscar. E se fosse para dançar, havia as festas com as bandas locais, e as discotecas. O Bob's, do meu amigo Serra, o Fame, do saudoso Fausto, ambos bem no centro da vila de então, o D. Papagaio em Mira de Aire, do Bardanisca, e depois outras, em Ourém, à entrada de Alcobaça, na Batalha junto ao mosteiro e mais tarde até no Entroncamento, Leiria, Rio Maior e Caldas da Rainha. Para irmos à praia, tínhamos a Nazaré, S. Pedro de Moel, Pedrogão ou S. Martinho do Porto a umas horitas de autocarro ou boleia dos amigos com carro, e senão, a barragem de Castelo de Bode, ou o Tejo, no Almourol servia as necessidades de quem era mais teso e enjoava nas viagens e curvas de Porto de Mós. A Abidis e a Império eram as pastelarias frequentadas por todos os que tinham 20 anos e não só. Pela fina flor. Por vezes a fina flor do entulho, mas cada um de nós sabia quem era quem. Os babás e os duchesses da Abidis eram deliciosos, tal como os pampilhos, os arrepiados e as celestes que vinham directamente da pastelaria mãe, de Santarém, que o sr. Manel, empregado baixinho, aprumado no seu papel de empregado de balcão, arrumava na vitrina com uma perícia de chefe de sala e com um rigor e uma austeridade próprias da sua cor política de então.
Tínhamos as tertúlias, fadistas cantando, poetas declamando a sua poesia, pintores locais e não só expondo os seus quadros, concursos de vestidos de chita, de Jovem primavera, festivais de canções e cantores, espectáculos de dança contemporanea, peças de teatro, festas do 25 de abril e do 1º de Maio, desfiles de Carnaval, passagem de ano no cine-teatro Virgínia...
Lá volto eu à sala antiga do Virgínia. Da qual tenho muitas saudades. Onde pisei palco imensas vezes por motivos vários e felizes. Onde vi as minhas crias e não só, brilharem na luz do sucesso. Onde fui feliz.
A cidade mudou. O bulício das noites de primavera e verão desapareceu.
As pessoas dos meus vinte anos, quase todas, partiram. Algumas para a capital, outras para sempre. As que ficaram como eu, estão e não estão. Não se encontram nem se revêm na cidade que ficou. Mais só, mais triste. Mais moderna e sofisticada. Aberta à cultura e à arte como nunca. À saúde. Ao ensino. Aos serviços. Entrando e saindo nas auto-estradas que rasgaram as serras de Aire e Candeeeiros, a lezíria e o Alentejo e Beiras. Remodelando o cine-teatro Virgínia, que já não é o que era. Erguendo um centro comercial à entrada da auto-estrada. Trazendo vários hipermercados para o centro do Ribatejo. Construindo viadutos e pontes. Que servem mais para sair do que para entrar...
Na quinta-feira fui ao cinema em torres novas. No centro comercial que serve a cidade e arredores. Acho até que, mais os arredores. Já não conheço ninguém que vai ao cinema. Na fila de trás um grupo de formandos da escola prática de polícia que existe nesta cidade, nas antigas instalações do Quartel quando havia tropa na vila. Gente de outras terras. De todo o Portugal. São eles que animam as ruas nocturnas durante a semana. Andam aos magotes e riem e falam alto, procurando poiso para passarem umas horas até ao recolher.
Entraram na sala, num pequeníssimo estúdio, quando as luzes baixaram. Falando muito alto e rindo despudoradamente. Nos seus vinte anos...de hoje.
Quando o filme começou continuavam a conversar. Alto. Em cenas de masturbação da personagem, riram ordinariamente. Arrotaram escandalosamente.
Éramos três mulheres que ali estavam à frente deste atraso social.
A sala não estava lotada mas estava composta. Ninguém reclamou. Ninguém se incomodou. Ninguém se indignou.
Uma de nós disse: Se não sabem vir ao cinema, fiquem em casa. Por acaso não fui eu que falei, mas podia ter sido e num tom mais duro.
Entristeci. Pelo povo de vinte anos que existe ainda por todo o portugal. Pela cidade que nunca chamo de minha mas, que afinal, gosto. Pelo êxodo...
Hoje fiquei na cidade mais uma vez. Por opção. Por teimosia...
Quero sentir-me bem nesta terra. Nesta casa onde as minhas crias cresceram, estudaram, brincaram e foram felizes. Quero sentir-me feliz na cidade que tive, na que hoje me é oferecida...
Mas é preciso fazer o exercício. O que me vale é que compro cadernos atrás de cadernos, para numa escrita ordenada, por vezes repetitiva e cansada, insistir num b-a- que a vida me tem ensinado, que a felicidade está dentro de nós.

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