quinta-feira, 1 de setembro de 2011

viagem de volta a lisboa

foto tukayana.blogspotHá uma semana que não ligava o MP4. Nem via televisão. Nem ouvia a Antena 3. Há uma semana que estava afastada de tudo e de todos. Há uma semana que vivi noutro cenário. Com outras pessoas, outras coisas. Há uma semana que estava perto, muito perto do que eu gosto de ter sempre. Paz e tranquilidade. Momentos de doce felicidade perto de pessoas que amo e onde me sinto acarinhada. Perto, muito perto do chão que também me pertence por via de uma herança que o sô santos se encarregou de deixar, falando anos a fio daquele lugar e fazendo-me conhecer tudo como se eu tivesse também nascido ali.

O autocarro é da Auto Viação do Tâmega, Lda. Não viajo senão nos Expressos. Desconheço que os bilhetes se preenchem à mão e que é preciso o nosso nome. Paguei 20 euros Chaves/Lisboa. Não achei caro. Mas é uma séca. O autocarro vai cheio. Diz que leva 6 horas. Quase o mesmo que o avião p'ra Luanda. Que raio! Bastou entrar no autocarro para começarem as comparações. É curioso, porque quando fui comprar o bilhete com a Leonor, subimos uma rua que vai ter ao quartel. E na avenida cheia de vivendas e árvores enormes, tocando-se pelas copas, dum lado ao outro da rua, pareceu-me estar a caminho do hospital Maria Pia, ida da igreja Sagrada Família, a pé, para fazer as sessões de tratamentos de ortóptica no hospital por causa da insuficiência de convergência detectada naquele hospital numa consulta que o Hernâni, administrativo no hospital, marcara, em 1974. Até me cheirou a Luanda e afinal estava a subir a avenida até ao quartel de Chaves.
Ligo o MP4. Perdi o cabo que liga ao computador para que carregue. Quando ficar sem carga não sei o que faça.
" Eu não sei se vou ficar bem assim, eu só sei, o que vai ser melhor para mim..." diz o vocalista dos Expensive Soul. Muito chorei eu ao ouvir este tema, quando saiu, e o ouvia na Antena 3. Chorei, que era o que fazia melhor, em 2007. Também me está a apetecer agora. Raça da letra, a mexer comigo, a provocar-me...
O motorista é a mesma criatura que me vendeu o bilhete. Homem antipático! O engraçadinho veio verificar os bilhetes de todos nós que somos mais que as mães. Quando verificou o meu, disse: Ora então vamos lá a ver, vai para Lisboa city. Nem para ele olhei. Limitei-me a receber o bilhete de volta. Felismente não me cruzei com gente assim todos estes dias que estive em trás-os-montes. Ah, só com a tia Lurdes, mas essa é um caso perdido que nunca foi achado. É a viúva do tio Acácio. Foi sempre uma simplória, metida a ignorante. Mas como nunca lhe deram crédito, e ela de burra não tem nada, tem até uma esperteza macaca, percebe quando mete os pés pelas mãos, leva um abanão e segue em frente. Assim que acabara de chegar do Pocinho, onde a Sofia, a Elisa, a Beta e a Leonor me foram buscar, ainda estava com um pé no automóvel da Leonor e já estava a ver a tia Lurdes, sentada num cadeirão de madeira, junto da casa da irmã, a tia Ester de Leonor. Chamada a atenção pela Leonor, disse: Olha que se te visse por aí não te conhecia e nem te cumprimentava. A que eu respondi como sempre lhe fiz: E agora também não, se não se levantar daí para me vir cumprimentar. E só assim consegui que ela viesse a mim. Já não nos víamos desde o funeral do tio Acácio, mais de 4 anos.
A tia Lurdes sempre foi assim e nós sempre lhe demos um desconto.
O autocarro pára na primeira terra. Vidago. Das águas que a gente bebe e nem se lembra que é do norte do país, atrás das fragas e calhaus, em terras para lá do Marão.
Zeca Baleiro me diz ao ouvido como se fosse segredo que... hoje recebi um telegrama...porque no mundo tem alguém que diz que muito me ama, que tanto me ama, por isso hoje acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e beijar o português da padaria... me dê a mão vamos sair p'ra ver o sol ...
Mais de meia hora de viagem, o sol finalmente mostra-se embora timidamente.
Porque será que olho as nuvens baixíssimas, andando velozes, e me lembro da Madeira? No fundo, apenas lhe falta o mar. Se trás-os-montes fosse uma ilha, era uma ilha lindíssima, a mais linda de Portugal. Digo eu, que viajo com o coração cheio de reconhecimento e orgulho desta região bela e hospitaleira. Transparente e honesta.
As terras entre Chaves e Vila Real são muito boas. Quem aqui habita tem uma qualidade de vida que não sei se se deixará apanhar pela crise.
Pedras Salgadas. Outra paragem. Aqui lembro-me bem de ter passado. Já foi há uns anitos. Quando a Leonor teve o acidente e ficou em coma. Vim vê-la a Chaves já ela estava em casa. Foi assim num de repente como eu gosto. Estava a almoçar e tive um apelo; houve aprovação total, e pusemo-nos ao caminho. Regressámos ainda nesse dia, chegando a Torres Novas de madrugada. Houve quem me chamasse maluca por fazer " loucuras " assim, e ainda chamam, porque sempre que é " necessário " as faço. Sempre fiz o que o coração manda e poucas vezes me arrependi. Ocorre-me a Julieta minha amiga desde o liceu, que vive na Suíça e num dia de aniversário meu, ligou para dar os parabéns às 6 da manhã e eu achei o máximo. Voltei para a cama e ainda dormi mais uma hora. Quando contei quem me dera os parabéns e como, recebi respostas quase indignadas pela falta de " senso " desta amiga. As pessoas não conseguem afastar-se do que é politicamente correcto, programado na cabeça delas, como normal. O que perdem, meu Deus! O que deixam de viver! Mas eu é que sou doida...
Se não entrar ninguém para se sentar ao meu lado, a viagem não terá um sr. Amorim, o que me parece bem pois preciso de sossego para pôr a minha vida em ordem e estas horinhas vão ser óptimas. Partilhar a tristeza do ponto final nestes dias tão bons, não me parece bem.
Gosto muito mais de andar de comboio. O espaço é maior. Levantamo-nos. Não nos tocam, se vão sentados ao nosso lado. Cada macaco no seu galho. Eu sou muito física, mas com os meus. Com gente que não conheço, o meu corpo rejeita, as vísceras também. E por muito que a cabeça diga que não me arrancam pedaço nenhum, não gosto.
Ainda estou a pensar em tudo isto e chega a 3ª paragem, Vila Pouca de Aguiar. Uma terra bonita. Parece Sintra, nas imediações. Lá estou eu com as comparações. É a terra do juiz Martins de Sousa, um homem com quem trabalhei e de quem gostei verdadeiramente de trabalhar. Com um sentido de humor oportuno. Com ele aprendi a expressão - Siga a marinha... há muitos anos que não o vejo, nem à Gina, sua mulher, pessoa divertidíssima que adorava os programas que faziamos naquele tempo em alegres convívios; funcionários, magistrados e famílias de ambos, mas isso foi no tempo em que Judas teve sarampo, porque hoje, estamos todos de costas viradas, até na classe dos oficiais de justiça quanto mais com magistrados. Tudo acaba, tudo morre e eu tenho pena. Primeiro porque não gosto de pontos finais, depois porque gosto tanto de viver...faz falta amizade entre pessoas que trabalham juntas anos a fio.
Se julgava que ia viajar sem parceiro ao lado, enganei-me. A criatura que se sentou desagradou-me porque assentou um rabo imenso no seu lugar esquecendo que eu ia ali. Esbracejou para um homem que ainda não se sentara e percebi que a partir dali a viagem iria ser complicada. Vi-a levantar-se e dirigir-se a uma rapariga que ia à janela, mais à frente. O meu número é o 29, um número que tem estória na minha história. E embora me alegrasse, percebi que esta mulher avantajada teve a lata de pedir à miúda que trocasse com ela para ir ao lado do homem que presumo seja marido. Entraram também uns miúdos que foram dizendo asneiras que me repugnam ouvidas na voz de quase crianças. Gente de não mais de 12 a 14 anos acompanhadas de miúdas com 16 a 18 anos. Pelo que percebi vão para Lisboa, para passar o fim de semana e regressam na 2ª feira. Um dos putos é tão parvo e atrevidamente mal educado, que o motorista perguntou se alguém saía em Fátima e ele respondeu que sim, saía ele. Não sendo verdade. Perguntam vocês, então e os putos que diariamente viajam contigo em torres novas e vão para a escola, não dizem asneiras cabeludas? Dizem, mas nós adultos somos a minoria, o ambiente é estudantil, diferente, muito diferente.
Don't panic dizem os Coldplay e eu acho oportuno e calmante ouvir este tema. Mais uma vez lembro Luanda, melhor, outra viagem, a primeira, a Luanda, depois de 33 anos de ausência, e relaxo.
Na área de serviço de Viseu parámos e recebemos um ultimatum. Podem sair, ir à casa de banho, comer e relaxar as pernas porque não voltamos a parar até Lisboa. Podem andar por aí cerca de 15 minutos. Meti o netbook na carteira e fui como os outros. Quando saí da casa de banho a fila parecia interminável. Em todo o lado há gente que guarda tudo para o fim. Telefono para a cria. Ouvir a sua voz faz-me bem. Hello?! Estou viva?! Yá! Sou mesmo eu que vou nesta viagem que em nada se parece com as minhas viagens.
Já deixamos Trás-os-Montes. Vila Real ficou para trás e os castanheiros também. O rio Tua, o Douro. De vez em quando a paisagem ainda nos parece gritar por uma região agreste e solitária. As vinhas nas encostas e as quintas anunciadas por gigantescos cartazes ficam para trás. Agora os pinheiros dão-nos um verde garrafa repousante e o sono chega. Bocejo de tédio. Não falo com a miúda. Nem ela comigo. Tentou, dizendo que trocou com a criatura gorda e mal educada. Olhou para o computador e para o livro de crónicas do Lobo Antunes. Sorriu cúmplice, a cada disparate ouvido e tombou para o meu ombro ( não me importei, podia ser minha filha ) adormecida. Acordou assustada e pediu desculpa. Trocámos umas palavras, sim, coisa pouca, nada que não fosse circunstancial.
Chegados a Coimbra, o esperto atrás de mim, acompanhado que estava duma senhora professora, pela conversa d'ambos, pese embora o que ele foi dizendo na viagem fosse duma estupidez atroz, (no início da viagem ainda me divertiu, mas foi-me aborrecendo à medida que o tempo foi passando ) disse: isto que é? Parece Lisboa. A senhora professora lá o elucidou. Ele é um puto que ainda não tem 20 anos, mas que parece muito sabedor da política, do estado da nação, porém não se localiza nem tem esperteza e sensatez para conhecer o mapa do seu país. Nem o Mondego o sensibilizou pois que dizia bacoradas umas atrás de outras.
Em Fátima esta mesma criatura acha que está em Aljubarrota e p'ra mim foi a gota d'água. E o Almonda ali tão perto... Era mesmo ignorante, e de chico esperto tinha tudo o que irrita quem tem de o ouvir 7 horas, quer queria quer não, sim porque a viagem não é de 6 horas, mas antes, de 7. A viagem é interminável e várias vezes disse p'a mim que nunca mais, não deve ser verdade, mas é muito difícil viajar num autocarro, sem paragens e com pessoas barulhentas, mal educadas e petulantes.
Após Fátima, sinto-me em casa. É verdade. Como as coisas são. Vejo a Serra d'Aire e Candeeiros e os meus olhos reconhecem o lugar de sempre. Como as rugas à volta dos olhos. Depois de 6 horas de viagem, descendo trás-os-montes, as beiras, o douro, o Ribatejo surge e eu sinto-me peixinho dentro d'água ou não fosse o Tejo correr para o mar a par e passo connosco a partir de Santarém. Apetece-me dizer à miúda dos olhos verdes que vai ao meu lado que eu pertenço aqui. E pertenço? Sei lá! Afinal, pertenço a algum lugar? Ver a serra d'aire aqueceu-me o coração que vinha triste e frio na descida do mapa. Como colo que me estendem, a região, torres novas a poucos quilómetros, provoca-me uma estranha emoção e fico com um brilhozinho nos olhos. Nem sempre sou justa com o Ribatejo. Olho à direita e vejo Minde, Moitas Venda. Depois entramos na A1. E pronto, estou na minmha praia. Tenho uma hora de viagem. A paisagem não é deslumbrante, estamos na lezíria. Mas conheço-a como a palminha das mãos. Relaxo. Estamos quase. Agora vai custar menos. A Leonor liga para saber se já cheguei. A cria também.
Entro na Estremadura. Lisboa à vista. Chego finalmente a Oriente, às 7 horas. Aproveito e tiro fotografias ao arco-íris e ao rio. À ponte Vasco da Gama.
Saí de Chaves às 12,25 e cheguei agora. Uma tarde inteira. Com tempo mau. Chuvoso e triste como eu. Sobrevivi. E não tarda nada, estou pronta para outra. Agora só quero ver a Pitanga, tomar um banho, e atirar-me para o sofá com as pernas esticadas e descansadas. Ligar à Leonor e à cria e deixar correr o tempo...

2 comentários:

maria disse...

Amei ler esta tua viagem para baixo. Como amei a tua viagem para cima.
Escreves bem, minha amiga. Parece que fui também na viagem e voltei contigo.
Parabéns.

celeste disse...

Esta empresa de autocarros, pertence a um dos sócios dos armazéns da Gagageira.