terça-feira, 7 de agosto de 2012

viagem de autocarro




- Então, Clara? Julgava que já cá não estavas.
- Então?
- Não estás reformada?
- Quase, quase.
- Nunca mais te vi. Ainda moras para os meus lados? Os teus miúdos?
A São é uma criatura que conheço há muitas décadas. Da minha idade. Mora  para os meus lados. Conversamos sempre,  nos lugares onde nos encontremos. É simpática. É irmã do Salvador, que apareceu morto na casa onde vivia, só. Eu conhecia o Salvador há muitos anos. Sempre sozinho, passeando pela avenida do jardim. Com passo certo. Calmo e aparentemente feliz. Deu-lhe qualquer coisa e finou-se.
Mais adiante os do costume. O Júlio algo taciturno embora sorrisse quando me cumprimentou. Vi-o antes de ir para férias, num restaurante de Monsanto, a poucos quilómetros de Alcanena e aonde fui comer leitão que por sinal estava ótimo. Quer dizer, a pele estava divinal, porque o que eu mais gosto no leitão é da pele estaladiça apesar de não gostar de coisas crocantes. Incongruências, que é que hei-de fazer? Também as tenho. Dias antes tinha-o visto na Tasca quando lá fui com a minha irmã caçula, o que já não fazia há bastante tempo e até gostei do bacalhau com natas que comi e do parla pie sempre agradável do Alfredo que deu sinais de saber da minha conversa com a Lourdes, sua mãe, dias antes na loja da Ritinha. 
Enfim, o Júlio também estava à espera do autocarro das 8,20. A senhora do Entroncamento - olha quem é ela ( é por essas e por outras que às vezes preferia que ninguém me conhecesse ) a senhora do tribunal por aqui? Então ainda não se reformou? - não sabia se havia de rir se chorar. Tenho assim ar de mais velha ou é só porque deixei de comparecer? Ah pode ser porque o meu tribunal vai acabar... Não perguntei que isso era alimentar um assunto que quero atirar para trás das costas.
A outra, ai que se me varreu o nome da outra, que é da Ribeira ou das Lapas, já nem sei bem, se até me esqueci do seu nome...
Rosa. Raios, já estava a ficar em fungas. Odeio que isto me aconteça. E acontece cada vez mais.
A Rosa, enfim, fez-me uma festa que teve honras de foguetes e tudo que é um modo de dizer mas sorrisos rasgados teve e outros tantos da Belita e da colega de banco, aquela que fica sempre na Videla e acho que é cozinheira da casa que vende os frangos para fora. As marretas hoje nem pareciam tão marretas assim. Muitas perguntas, muitos sorrisos. Grande surpresa que elas tiveram sim senhor.
E foi assim que no meu segundo dia de trabalho me vi a caminho do mesmo, no autocarro do sr. Margarido que por acaso não estava. Não perguntei mas deve estar de férias que também tem direito. 
O autocarro ia cheio que nem um ovo. A maior parte vai desaguar no mar. Na praia da Nazaré. Afinal este é o autocarro que vai para lá.
Este autocarro vai para a praia? é costume perguntarem, ao que o motorista ou a Bélita que não deixa escapar nada e tem a mania que percebe muito de carreiras só porque trabalha em viagens ao fim de semana, daquelas excursões de velhos e gente da merenda e do garrafão ( cada um é pró que nasce e nada contra ) respondem - É sim. Vai para a Nazaré. E os veraneantes carregados de sacos, mochilas, chapéus de sol, lá entram barulhentos e a procurarem os melhores lugares porque com as curvas que há até lá, ah vão sofrer pois lá isso vão. Só de pensar nisso já me apetece abrir um saco plástico. Que enjoo. Não me apanham a ir para a Nazaré no autocarro da carreira. Nem que se pintem de cor de burro quando foge, amarelo ou encarnado. 
E nesta viagem também não, a menos que as minhas boleias se neguem, estejam de férias ou tenham um qualquer percalço que me impeça de subir o viaduto e fazer-me à vida por esse meio. 

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