sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Avenida

Pedi ao Tiago que me levasse ah Avenida Basil.
A menos que fosse por aii adiante, bater ah porta da minha casa, percebi o ano passado, que posso ver tudo o que quero em Luanda, mas a casa onde nasci, nao.
E porqueh? Porque da rua jah nao se veh a casa. Construiram casas altas, quase fizeram uma aldeia, naquele espasso vago que existia ateh ah avenida. Apenas vejo as mangueiras que o avoh plantou, que devem estar carregadinhas de mangas, porque eh eepoca delas. As delicias dos candengues da escola 83 que ao passarem, se serviam perante a incredulidade da minha lavadeira Lucrecia, que corria com eles, xingando num kimbundo de trazer por casa, que ateh eu percebia.
Mas, a avenida Brasil, nao eh soh a casa onde nasci, a unica que sobreviveu, porque as outras duas onde crescemos e onde nasceram o meu irmao e a cassula, jah nao existem. Foram deitadas abaixo, ainda na epoca colonial.
Por ser muito mais que casas, eu gosto demais, de percorrer aquele espasso.Estah na minha memoria e eu escrevi com palavras e sentimentos que nunca mais se apagarao em cada pedasso de asfalto, de passeios, de terra ou de pedras,de particula de poh,de arvores, a minha vivencia de vinte anos. Aquela avenida, sabe mais de mim que eu propria e foi a minha confidente, a minha professora, ou apenas a observadora do meu crescimento.
Vi colocarem o asfalto a seguir ah minha casa ( que eu sou do Sambizanga, mas ali onde nasci era a fronteira entre o asfalto e a terra batida ) , segui, como todos os miudos que eu conhecia, sentados pelos muros fora, manobras dos tractores, os trabalhos...e quando passava o carro com o tanque da agua para assentar a poeira da estrada, gritavamos em unissono, porque estavamos muito bem sintonizados, eramos unidos nas brincadeiras - Monangambeeh...tu vais de carro e eu vou a peh!e recebiamos um churrilho de asneiras num kimbundo bem conhecido de todos noos, o tal da Lucrecia...que eu me abstenho de escrever aqui mas que estah cah ateh hoje e muitas vezes quando me sarnam os miolos, mentalmente fasso asneiras com os dedos e repito todas essas asneiras que cedo aprendi com os adultos e com os miudos do bairro Marssal, ali mesmo ah beira de noos.
Vi construirem os predios, melhorarem as casas baixas. Vi o Hospital Universitario erguer-se para orgulho de todos noos e a Cidadela Desportiva, que estah lah ateh hoje, imponente e magestosa...
E durante vinte anos usufruii da liberdade de andar ali como se fosse a minha casa. Era a minha casa.Ali ninguem me faria mal...
Hoje, indo da Alameda D.Joao II ou da Coronel Artur de Paiva e entrando na avenida, a propria, a mais amiga, a mais intima, o que sinto eh involuntario. Eh uma coisa de pele,mais, visceral. Ainda que fosse de olhos vendados, ainda ...Eh inexplicavel e maravilhosa a sensassao de sempre. Que estou a chegar...que nunca parti.Que estao todos ah minha espera, os dali, os de casa.E os predios velhinhos e as arvores que dao aquelas flores cor de rosa e que parecem pinceis da barba e teem um cheiro bom e doce e o ceu daquele espasso, e o vento cheirando a bomboh assado e a castanha de caju, e os maboques, e a cana doce, e o sotaque, e a cor...tudo parece ter permanecido igual, esperando por mim...
Percorrer a minha avenida eh o Ceu e eu sou um Anjo,um anjo papudo, mas um Anjo.
Um dia, um dia eu nao passo lah apenas. Eu vou e fico.
Lembrei-me do Joao que estah no Algarve. E como nao tinha o telemovel onde estah o seu numero, nao pude ligar. Mas mentalmente lhe disse: Advinha onde estou? Estou na Avenida Brasil...e senti-me vingada. No Jogo das emossoes empatamos. Zero a Zero...

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