Atraso

Todos os dias faço pela manhã o mesmo percurso até chegar ao autocarro que me levará a uma vila que dista 15 quilómetros do burgo onde vivo.Se sair às 8 horas, chego à estação da rodoviária a tempo de calmamente entrar e sentar-me sem ninguém dar por mim, no mesmo gesto de todos os outros. Pela manhã, olhamos todos para dentro mais do que para o parceiro do lado, da frente ou de trás.Andamos à bulha com o sono e a vontade de cumprirmos a nossa obrigação que é para isso que nos pagam.
Se calçar saltos, tenho que sair uns minutos antes das 8 horas.Mau, mau, é quando estou de saltos e já são 8,05 horas quando bato a porta de casa. Vôo rumo ao autocarro e nem sequer olho para o lado.Mesmo assim, dou de caras, com um placard que me perturba se vou atrasada. Ele lá está, e também ele, uns dias é simpático, outros nem por isso. Nos meus dias atrasados parece-me vê-lo de dedo esticado como que a querer provar-me que tudo vai mal.
E diz o placard - Faz tudo como se alguém te contemplasse -
Nos dias bons, sorrio para o quadro e para as palavras e penso que não me apanhou em falta. Nos dias maus, aqueles, dos saltos e dos minutos depois das 8, se tivesse uma fisga, uma lança, " disparava " sobre ele. Quase vôo, e quer que eu esteja no meu melhor?!...Mas mesmo assim, endireito as costas, levanto a cabeça e nem pestanejo, que uma distracção faz-me perder o autocarro.Já aconteceu e tive que telefonar ao meu irmão.
Quando chego, tenho sempre a sensação que o motorista faz juízos que não são nada abonatórios e ao tirar o bilhete se lhe peço uma esferográfica para assinar, porque devolvo o bilhete de seguida, para que seja enviado aos meus serviços ( benesses que estão quase a terminar ) o senhor deita fumo pelas ventas. Mas eu venço o touro com delicadeza e educação e entre um " por favor " e vários " obrigados " o que não tem remédio fica remediado e lá seguimos viagem.Quando me sento, finalmente, digo de mim para mim que tenho que abolir os saltos e atrasar o relógio. Mas é só até à vez seguinte.