domingo, 10 de janeiro de 2010

Negro

Uma loanda na praia
Um pescador solitário
Uma criança suja, brinca
Uma cubata...de folhas secas de palmeira
Galos brigando ao sol
Um bocejar de pasmo, tédio, desprezo
A vida que ninguém quer
Que serve ao negro e a mais alguém (?)
Que serve ao negro (?) e negro é alguém (?)
Se consente os piolhos na cabeça
Se lambe os dedos guloso sem lembrar de talher
Se um velho trapo serve para enganar a nudez
Se para falar com o branco se engasga no seu português
Se para libertar a terra
Viveu com os bichos na selva...se...

Uma loanda na praia
Vai trazer peixe fresquinho pra vender na praça
Mas mal dará para comer
O dinheiro que para a sanzala trouxer
Uma criança suja que brinca, é uma criança
A água lhe limpa o corpo mas não limpa o nojo
Que sentir dos homens quando crescer
E puder compreender
Uma cubata, fruto do suor e do trabalho
De força de braços crentes
Encobre o frio, a revolta, o grito dos inocentes
E os galos brigando ao sol, a presença da desunião
Que serve de pretexto
Aos seres sem coração
Um bocejar de pasmo, de tédio, de miséria...
Há muita gente iludida
Na mórbida intenção
De exterminar o negro
De o comparar ao cão
O negro é como tu
Branco ou amarelo
O seu pobre corpo nú
Te faz sentir medo
Que no fundo sabes bem
Que o tal negro, o coitado (?)
Sempre foi e será alguém.

1979.t.n.

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