Tenho uma tia avó.Com 90 anos.Que vi duas vezes e que amo muito.Curioso?!Sim, é possível amar alguém que não conhecemos fisicamente."Conheci" esta tia ainda vivia em Luanda.Era eu uma criança.Ela, mulher bonita, alta, com ar de rainha, independente e moderna,solteira, vivia em Paris, onde trabalhava salvo erro no consulado do Brasil.Fascinava-me a fotografia dela junto ao Sena.E queria conhecê-la, quem sabe, ser como ela, andar pelos sítios por onde ela andava...chegava uma carta, um postal e eu apressava-me a responder-lhe. E foi assim que o laço que ainda hoje existe se tornou mais forte. Quando aconteceu o 25 de Abril, apressou-se a escrever-me, porque já não o fazia para os outros elementos da família, aconselhando a que viéssemos para Portugal e sugerindo até possibilidades, que não fosse o meu pai querer continuar em Luanda, seriam tentadoras.Nesta altura tinha eu já 19/20 anos.Quando cheguei a Portugal e mais propriamente quando já nos tinhamos instalado na cidade onde vivo, ela que já viera para Portugal definitivamente veio ver a minha mãe, sua sobrinha, e conhecer os restantes.Foi um prazer imenso vê-la, sentir-lhe o beijo e o abraço. Era a minha tia bonita, loira e charmosa, que pintava os lábios de vermelho, com eu, e que inspirava um enorme respeito e afecto.Era a irmã do meu avô e isso só por si, dizia muito. Dizia-me tudo.
Depois disso vi-a uma única vez mais. Visitou-me quando os meus filhos eram pequeninos. Desde então falamos ao telefone com alguma frequência. Quando nas notícias do telejornal, acontece alguma coisa de mau perto da cidade onde vivo, sei que ela vai ligar e enterneço-me com a sua voz que me pergunta -Clara, está tudo bem com você? e eu digo-lhe sempre que sim e quando desligo sinto-me a pior das criaturas porque já devia ter ido, mas a vida é complicada e ela tem 90 anos.Os laços que eu quero esquecer porque o tempo é pouco e vou sofrer depois.
Quando regressei de Luanda o ano passado, telefonei-lhe e disse-lhe que finalmente tinha estado na minha terra.Sem rodeios, sem sequer fazer um intervalo, disparou -Foi ver a campa da sua avó? - eu gelei.Senti depois um suave afago na minha alma.Ela não percbeu, nunca saberá, mas foi tão importante para mim esse momento...é a pessoa mais velha da família. Ninguém me ousa pedir contas. A tia Olívia pediu.E de repente senti-me feliz, muito feliz porque podia dizer à minha tia que sim, nem poderia ter sido de outra forma, claro que sim...e existia alguém mais acima de mim a quem eu tenho que dar satisfações.Que coisa boa não estarmos sós. Termos âncoras, os elos que nos fazem pensar bem antes de alguma asneira ou partilharmos o que de bom nos acontece.Eu julgava que só tinha que dar satisfações a mim própria...que erro. Eu tenho Família e tenho obrigações.Ligou-me há 3 semanas.Para saber se estamos todos bem.Claro que sim, mesmo quando não estamos, para a tia Olívia, estamos.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
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