quarta-feira, 20 de março de 2013

em jeito de retrospectiva



Uma criatura começa a trabalhar cedinho. Vinte e poucos anos. Desconta para a reforma anos a fio vendo essa mesma dita reforma lá longe. Como algo que pode nem acontecer de tão distante que está. Até se aborrece de ver os descontos na folha de vencimento. Quando lhe contam o tempo de serviço faz contas e ainda falta tanto...
O tempo passa. Anos mais anos e nós nem damos por isso. 
Chega um dia que temos cabelos brancos e vamos a correr pintá-los. Os filhos já não são crianças nem adolescentes. Vão para a faculdade. 
Há uma frase recorrente sobretudo quando estamos fartos de tribunais, magistrados, colegas, advogados, presos, autópsias, julgamentos, processos, público, mas na qual nem nós acreditamos: Quando me reformar...como remédio para todos os nossos aborrecimentos, para as nossas prisões e deveres.
E a reforma ainda nos parece distante. 
De repente alguém nos diz que deviamos ir a Lisboa. À Direcção Geral. Que temos mais a ganhar que a perder. E a gente até acredita. E sem pensar muito vai. E sem pensar muito porque se o fizer desiste, até faz o requerimento e entrega-o.
E pensa depois: Será que fiz bem? E algo diz dentro de nós, que sim. Algo forte. 
Foi assim comigo. Como que a mão de Deus a tocar-me e a acenar-me. Como que Sô Santos e Dona Celeste, avô Carvalho, todos os meus entes já noutra dimensão, o Universo a gritar-me que fiz bem. 
Nunca soube explicar muito bem porque fui tão fácil de convencer mas na verdade nunca me arrependi de a 28 de Dezembro de 2011 apanhar o autocarro para Lisboa e chegar ao Campos da Justiça determinada a deixar lá o meu pedido para a reforma. 
Esqueci depois. Nos meses seguintes tudo aconteceu e se passou com normalidade. 
Quando parti o ombro e fiquei em casa dois meses pude perceber muita coisa. Adquiri aí nesse tempo de imobilidade e incapacidade, paciência, a paciência que não tinha. Que me permitiu voltar ao trabalho e esperar pacientemente por este dia. O dia da minha carta de alforria como costumo dizer por brincadeira. 
Chegou. Hoje. Há quem não acredite no que está para além de...
Há quem ache que o destino é uma fantochada. Mas na verdade hoje estava com uma pessoa que gosto muito e que já não via há muito tempo por força das alterações nas nossas vidas, quando abri a caixa do correio. E foi essa pessoa, minha amiga do peito, a primeira a dar-me os parabéns. E eu não acredito em coincidências. Mas fez sentido que ela estivesse comigo nesse momento já que esteve presente quase sempre nestes últimos 6 anos. Em momentos muitos difíceis. Em momentos muito bons também. Mão de Deus, pensei eu.
Serei desvinculada do serviço a 31 de Março. Também faz sentido. E sobre esta data não darei qualquer explicação mas se a desse vocês sorririam e abanariam a cabeça afirmativamente. Na verdade há mudanças grandes que a gente tem de viver. E há fins que dão lugar a reinícios. Renascimento. De facto não acredito em coincidências...
Tenho a certeza de que vou ser feliz. Não é arrogância não. Tal como me surpreendo da forma serena, bem tranquila como recebi essa carta, também serenamente sinto que vou ficar bem. 
A fé por vezes é apenas acreditarmos em nós e no universo. O resto...o resto acontece.

( 18 de Março de 2013 )

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